O assassinato do jovem Lúdio Coelho Filho (“Ludinho”) – Parte 1

O rapaz de 22 anos se chamava Lúdio Filho (“Ludinho”) e era o único herdeiro do bilionário Lúdio Martins Coelho, um dos homens mais ricos de Mato Grosso, com patrimônio apontado de “500 mil bois no pantanal”. A família Coelho, de Campo Grande, teve sua fama e fortuna iniciada pelo patriarca Laucídio Coelho dono de 870 mil hectares distribuídas em 39 fazendas e cinqüenta pistas de pouso para seus cinco aviões.

A fazenda mais famosa do patriarca era a Santa Lúcia, com 300 mil hectares em Barão de Melgaço. A fazenda foi palco de uma emboscada à metralhadora contra Laucídio e Lúdio, vindo a morrer o peão Ataíde. A briga com os grileiros durou até o filho mais velho Italívio se formar em Direito e conseguir regularizar a propriedade. A fazenda Santa Lúcia somada a outras duas áreas vizinhas somava 370 mil hectares.

Lúdio Coelho era um dos caciques políticos de Mato Grosso. Seu bordão de campanha ao governo em 1965 era “se um pé de coelho dá sorte imagina um Coelho inteiro”, e apesar do poder econômico, e melhor preparado como gestor, perdeu por 90 mil votos contra os 110 mil de Pedro Pedrossian, em um colégio de 300 mil eleitores. Os dois candidatos gravitavam na política de Campo Grande, porém era em Cuiabá que as coisas aconteciam. Os cuiabanos decidiram a eleição.

O filho Ludinho entrou em crise existencial aos 18 anos quando descobriu que era filho adotivo. A sua mãe biológica era a irmã caçula de Nilda Coelho, a esposa de Lúdio Coelho. O rapaz deixou os estudos no Rio de Janeiro e se fixou em Campo Grande tendo como passatempo carros, motos e mulheres. A investigação mostrou que a turma de amigos também gostava de maconha e cocaína. Mas os investigadores deixaram esse assunto de lado porque estavam avançando dos consumidores recreativos para os fornecedores do negócio do narcotráfico, e o foco era apenas o seqüestro.

A polícia notou que o “Caso Ludinho” provocou o deslocamento do centro dos negócios do narcotráfico de Campo Grande para Cuiabá nos próximos cinco anos, em especial nas negociações com a cocaína boliviana. Isso porque a classe média começou a consumir o “produto boliviano” e começou a deixar o “paraguaio” de lado (80% da maconha eram paraguaias, e os demais 20% eram de lavouras das Alagoas, sem contar a produção mato grossense plantada e transportada por paulistas).

Apesar dos perigos que poderiam cercar os jovens na época, como velocidade, overdose, ou um tiro de marido furioso, os pais de Ludinho não se preocupavam quando saía à noite porque ou retornava para o café da manhã ou para o almoço no outro dia. Mas no sábado encontraram o carro do filho na porta da garagem com uma carta de resgate no limpador do pára-brisa. Os seqüestradores exigiam R$6 milhões (o valor atualizado hoje chegaria aos R$12 milhões).

A família Coelho pediu para o governo de São Paulo mandar o delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, “o policial mais admirado e odiado do país”. O delegado chegou na segunda-feira e foi para o local onde o corpo foi encontrado, embaixo de uma pequena árvore no cerrado (o bairro ainda era um loteamento na periferia a ser concluído). O delegado Fleury era uma celebridade, e o chefe da rádio-patrulha tenente da PM João Neusar Machado soube que ele assumiria o caso ainda no domingo pela manhã. Correu para a cena do crime para ver o delegado. Os dois se conheceram em 1974 em Foz do Iguaçu.

O tenente Machado era oficial da reserva do Exército e servia no Paraná, na região da fronteira. O encontro dele com Fleury em Foz do Iguaçu ocorreu devido a “Operação Juriti” (operação sigilosa de Brasília autorizada pelo chefe do SNI general Figueiredo). O tenente Machado acabou incorporado à polícia militar de Mato Grosso, conforme a legislação do Governo de 1964, porque poderia se aposentar como oficial superior na PM.

Outro tenente da reserva e que foi nomeado tenente da PM atendendo ao pedido de oficiais do Exército foi Aramis Ramos Pedrosa. O tenente Aramis era de confiança dos coronéis que agiam nas sombras porque ele estava sempre disposto a cumprir ordens, e qualquer uma das “autorizadas por Brasília”. O tenente havia nascido no Paraná quando sua mãe tinha apenas 13 anos (seu pai morava em Minas Gerais), e ao invés de ser técnico em contabilidade viu oportunidade de melhorar de vida no Exército.

O delegado Fleury recebeu o tenente Machado um pouco afastado da cena do crime, onde a perícia estava (Fleury trouxe uma equipe de oito pessoas), e cedeu o binóculo para o tenente acompanhar o trabalho. O tenente Machado ficou tão emocionado que jurou a Fleury que se fosse ele a capturar o seqüestrador não conseguiria se segurar e o mataria. O crime chocou Campo Grande.

O que o delegado tinha no momento era carta, escrita em máquina de escrever, e a atribuía a dois tipos. A forma como foi escrita era de um advogado porque parecia um contrato civil, com obrigações e punições. Também poderia ter sido escrita por um oficial militar devido a detalhes técnicos encontrado em manuais militares. A busca seria feita entre advogados do Banco da Financial, da família Coelho, e entre a PM. O delegado Fleury estava focado na PM porque na carta se usava muito a palavra “senhoria”, mais usual entre o oficialato e porque havia instruções que apenas a polícia poderia dar porque falava em punição ao seqüestrado caso fossem usados equipamentos de rastreamento e radiocomunicação.

O crime foi solucionado em duas semanas. Em verdade na mesma semana o delegado Fleury já conhecia os personagens da trama e apenas começou a segui-los. Ainda na segunda-feira o delegado mandou vasculhar contratos de aluguel e compra de casas, no cartório e classificados de jornais (para localizar o cativeiro), e também mandou chegar os pedidos de licenças requisitados no banco, na Polícia Militar e no Exército. Nos dias seguintes apareceram duas testemunhas que contaram tudo.

 

(Continua…)

Fonte: Por: Da editoria especial/Muvuca Popular