Jornalista que acusou Biel chora ao relembrar assédio e menciona estupro

Ela também falou sobre a demissão

Pela primeira vez, a estudante Giulia Pereira, de 21 anos, decidiu mostrar o rosto e falar todos os detalhes da polêmica entrevista com o cantor Biel que levou à denúncia de assédio sexual. As declarações da jovem foram exibidas nesta quarta-feira (20) no Gugu. Cursando o último ano do curso de jornalismo, ela começou falando que a entrevista com o cantor não foi a sua primeira com famosos. “Eu fiquei no portal por nove meses e trabalhava fazendo nota sobre artistas, TV e música. Fazendo entrevistas pessoalmente e por telefone. Eu conversei com Lázaro Ramos, Cauã Reymond, Sophie Charlotte, Humberto Martins, Marcos Mion, Juju Salimeni…”, narra. Em uma dessas entrevistas, Giulia foi ao encontro do cantor Biel, que se tornou um dos maiores ídolos adolescentes da atualidade.
“A gravadora convidou o portal pra fazer a entrevista em um dia que ele ia divulgar o novo CD dele. Eu fui sozinha!”. O seu primeiro contato com o cantor teria sido durante a entrevista de Biel para outro jornalista. Ela diz que ajudou um colega de outro veículo ao se disponibilizar para tirar fotos. “Foi nessa hora que eu falei que era mais velha que ele. Ele falou: se eu te pego, eu te quebro no meio!”.
Ela conta o que sentiu no momento. “Foi um desconforto. Não tem mais o que você sentir, além da surpresa de ser pega desprevenida porque você não acha que um artista que você está lá pra entrevistar, vai falar assim com você. Você também está lá trabalhando O comportamento de Biel fez com que Giulia mudasse algumas coisas no roteiro de sua entrevista.
“Você já fica com o pé atrás de como vai ser a entrevista. Então, eu comecei a mudar minha pauta, cortar algumas perguntas que dessem margem para ele dar esse tipo de resposta. Eu não imaginava que seria recebida assim logo de cara!”. A pedido de Giulia, a sua entrevista com o cantor foi gravada por um outro veículo de comunicação que, depois, se comprometeu a conceder o material. Indagada sobre sua postura descontraída durante o vídeo, a repórter se defendeu.

“Por ser uma entrevista em vídeo e por ser para um público jovem com assunto leve, eu não tenho como fazer sem ser de forma descontraída. A gente tem que tentar sempre ser simpática e deixar o entrevistado num clima confortável… Porque a gente tem que entregar um trabalho. Eu não posso sentar ali e ser antipática, ficar com a cara fechada”. Ela acredita que tinha que cumprir o trabalho a que foi destinada até o final. “Como estagiária, eu não tenho como levantar e ir embora”. Eu tenho que levar o meu trabalho no dia seguinte pro meu editor. Seja ele em vídeo, em áudio… Eu tenho que entregar a entrevista que eu fui fazer”.

Provas em áudio e vídeo
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A entrevista de Giulia foi feita em duas partes. Primeiro em vídeo e depois em áudio. Na primeira parte, ela diz que se sentiu incomodada em dois momentos: quando o cantor pergunta se a repórter quer comprovar se ele é heterossexual e quando o cantor passa o telefone dele para ela atender a ligação. A estudante diz que não deu espaço para qualquer ofensa do cantor.

“Eu ser simpática não dá abertura pra ele e pra ninguém de fazer os comentários que ele fez. Me oferecer beijo, perguntar se eu queria que ele mostrasse a heterossexualidade dele, me chamar de gostosa. Não existe isso nem em entrevista e nem em lugar nenhum!”. Giulia explica, então, o porquê aparece rindo no vídeo. “É um riso de nervoso. Cada pessoa reage de um jeito e muitas pessoas reagem ao nervosismo rindo, tentando evitar e fingir que não aconteceu para não deixar se afetar. Quando eu rio se ele me oferece um beijo, é pra falar: Vamos parar por aqui ou vamos continuar?”, porque se eu ficar brava, explodindo, ou parando a entrevista, é ruim pra mim!”.

A expectativa dos editores de Giulia com a entrevista também a preocupava. “Eu não sabia como os meus chefes iam reagir. Se eu falo pra eles ‘Eu parei a entrevista e não terminei porque me ofereceram um beijo’, eu não sei o quanto eles vão achar a minha atitude profissional. Então, eu não posso ter esse tipo de risco no trabalho de parar e não entregar o que eu me propus a fazer”.

Assim que terminou a gravação em vídeo, Giulia começou a gravação em áudio. É neste momento que o cantor pergunta se a repórter quer um beijo e ela recusa. “Quando terminou a entrevista, ele não olhou pra mim e eu não olhei pra ele. Desliguei o gravador e saí. Eu falei com o pessoal do outro veículo para garantir que eu ia ter o vídeo no dia seguinte ou o quanto antes. Peguei o contato da equipe. Eu estava muito nervosa e comecei a tremer porque na hora você vai deixando passar e tenta ignorar um pouco. Mas quando você sai, é que cai a ficha! Você começa a perceber os absurdos que foram acontecendo”.

Uma amiga de Giulia foi a primeira a saber do ocorrido. “Eu peguei um táxi e fui pra casa de uma amiga. Cheguei chorando e contei o que aconteceu. Aí eu me acalmava e mais tarde ficava nervosa de novo… É um processo que continua acontecendo!… Toda vez que eu falo disso, machuca!”. giulia também falou com a mãe no mesmo dia do acontecimento. Pela mensagem, a mãe demonstra surpresa e questiona se o diálogo foi gravado. A estudante confirma e diz que falaria com a editora do portal no dia seguinte.

“Expor sempre foi uma prioridade minha. Antes de registrar denúncia, qualquer coisa, eu queria expor. É o tipo de coisa que nunca tinha acontecido comigo!”. Ela acredita que aquele não era o primeiro assédio de Biel, por isso sugeriu para sua editora que a matéria só deveria ser publicada se contasse o ocorrido. “Foi uma primeira vez, mas eu tinha certeza que não tinha sido a primeira [do Biel] com outras jornalistas e que não seria a última. Eu queria expor que esse tipo de coisa acontece, é comum e não é pra ser!”.

Apoio
A editora apoiou a ideia de Giulia e também a incentivou a fazer um boletim de ocorrência. ” Ela me apoiou logo no primeiro instante. Já queriam, inclusive, divulgar o que tinha acontecido. A primeira ideia era um relato em primeira pessoa, mas como eu ainda não tinha os vídeos, eu resolvi esperar. Eles também me recomendaram, e eu achei melhor, registra um boletim de ocorrência para ter isso como respaldo, mostrar que era sério. Isso é um crime! É um assédio!”.

A repórter Thatiana Brasil questiona, então, a demora de Giulia em registrar o caso na polícia. A jovem defende que foi um intervalo de oito dias. “Eu estava esperando o vídeo. Eu não queria fazer nada sem ter essa prova. Também não é uma decisão fácil de ser tomada. Por mais que eu tivesse sendo apoiada, eu tinha que pensar no que isso significaria na minha vida profissional, pessoal”.

Na delegacia, a repórter teve dúvida se registraria ou não. “Eu fui muito bem recebida pela delegada, pela investigadora. Eu queria, num primeiro momento, registrar o que tinha acontecido. Eu não sabia que o inquérito era aberto automaticamente e quase não fiz o registro por causa disso. Eu não queria, de fato, um processo, nada desse tipo. Eu só queria ter um respaldo pra divulgar isso. Mas, na delegacia mesmo, conversaram comigo falando da importância de seguir com isso. Então, eu fui incentivada por elas. Senão, não
seria nada. Seria só mais um que iria passar e não ia dar em nada”.

Após o registro, Giulia voltou para redação do portal de notícias. “Eu voltei para o trabalho com o B.O em mãos e a descrição do meu depoimento. Aí a gente começou a articular como divulgar o ocorrido”.

Demissão
O portal divulgou a notícia relacionada ao caso e, dias depois, a estudante perdeu o estágio. A editora, que apoiou a denúncia, também foi demitida. “Nunca passou isso pela minha cabeça! Eu esperava total apoio da minha equipe”. Para ela, o desligamento da empresa está diretamente relacionado à denúncia. “Eu fui chamada pela parte do RH e comunicaram que era um corte de estagiários porque iam contratar formados e repórteres. Na hora, eu não acreditei muito na justificativa até porque a escolha de qual estagiário seria cortado não seria por acaso… Eu não vejo outro motivo porque nenhum outro estagiário foi demitido. Só eu. Inclusive, abriram vagas pra outros estagiários depois”.

A demissão ganhou grande repercussão nos portais de notícia. “Na demissão da editora, alegaram corte de gastos. Eu acho ingênuo achar que ‘por acaso’ as duas jornalistas diretamente ligadas ao caso foram as duas demitidas. É quase uma traição! Eu realmente não esperava esse tipo de coisa”.

Biel chegou a gravar um vídeo com um pedido de desculpas e muita gente apoiou o cantor, principalmente os fãs. “Os fãs buscaram meios de justificar o que o Biel fez, porque nenhum fã quer aceitar que seu ídolo faria esse tipo de coisa”.

Campanha
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Giulia foi apoiada por colegas de profissão em uma campanha na internet. “A grande maioria de comentários que eu vi foram de apoios, incentivando a denúncia, me parabenizando por ter exposto isso e ter ido atrás dos meus direitos”. Em determinado momento, a entrevista precisou ser interrompida para que a jornalista bebesse um copo com água. Ela chorou e ficou nervosa ao relembrar um momento de assédio que não foi registrado em áudio e vídeo.

“Além do vídeo – de ele me chamar de gostosa, perguntar se queria saber da heterossexualidade dele -, eu ia fazer outras perguntas em áudio. Antes de eu começar a gravar, ele olhou pra mim e falou que eu tinha cara de quem sofria bullying na escola, que tenho cara de sentar na frente da sala, e que ele estava muito ocupado na época de escola dele comendo almofadas… Uma conversa sem muito nexo. Aí ele perguntou pra mim se a minha entrevista era a última do dia e a minha era a penúltima. Daí ele olhou e falou: ‘É uma pena porque se a minha fosse a última, ele iria me levar pra um hotel e me estuprar… Isso sempre me deixa muito nervosa. Sempre é a parte que me deixa muito nervosa! Tanto que a primeira coisa que eu fiz foi ligar o gravador, que não estava ligado nessa hora, e a primeira coisa que você me ouve falar no áudio é: “Vamos falar da sua música porque é o que importa”.

Registro de ocorrência
De acordo com os advogados de Giulia, após 15 dias do registro do boletim de ocorrência, eles também entraram com uma queixa de crime por injúria contra o cantor no Ministério Público• O portal informou, por meio de nota, que a empresa e todos os seus funcionários repudiam qualquer forma de assédio, agressão, violência e preconceito contra a mulher e o ser humano. O portal não quis se posicionar sobre as demissões da repórter e da editora
Procurado pela produção do Gugu, o cantor Biel não quis comentar nada sobre o assunto•

Agora, Giulia só pensa em terminar a faculdade. “Eu vou focar agora na faculdade porque não tenho muito o que fazer. Não me arrependo de nada! Faria tudo de novo! Eu não sei o que vai ser da minha carreira, da minha vida pessoal, do que vai ser daqui a três meses”. E se orgulha de começar uma mudança. “É não ter medo de levantar isso para ser um primeiro exemplo! Eu espero que o assunto não morra. Que cada vez mais jornalistas, mulheres, possam se posicionar e não deixar que isso aconteça. Que isso possa ser um exemplo e um começo!”, concluiu.

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