Governo adota no SUS pílula que previne HIV em grupos de risco

O Ministério da Saúde anunciou nesta quarta (24) a incorporação no SUS de tratamento que previne a infecção pelo HIV. A terapia será ofertada a grupos mais expostos ao risco, como homens que fazem sexo com homens e profissionais do sexo.

O tratamento consiste na administração diária do antirretroviral Truvada, que é uma combinação de outros dois medicamentos (tenofovir e emtricitabina), em pessoas não infectadas pelo HIV que mantêm relações de risco.

No primeiro ano, o tratamento estará disponível para 7.000 pessoas, número que foi tido como insuficiente por especialistas durante discussão sobre o assunto na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias), que recomendou a terapia.

Segundo eles, o cálculo de 7.000 só atingiria 3,8% dos homens gays e bis -trans, travestis e heterossexuais não entrariam nesse cálculo.

Estimativa feita nos EUA prevê que um quarto dos homens que fazem sexo com homens teriam recomendação para usar a a chamada “prep” (da sigla em inglês para profilaxia pré-exposição).

Se a mesma proporção fosse usada no Brasil, mais de 220 mil pessoas deveriam receber a terapia.

Desde 2012 a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda a oferta de prep para casais sorodiscordantes (ou seja, em que um dos parceiros tem HIV), homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo e transgêneros (travestis e transexuais).

As taxas de prevalência de HIV são mais elevadas nesses subgrupos populacionais (varia de 5% a 10%), quando comparadas às taxas na população geral (0,4%).

No anúncio de ontem, o ministério não informou quais grupos de risco terão prioridade na indicação da droga. Para isso, segundo o órgão, profissionais da saúde vão realizar uma avaliação da vulnerabilidade do paciente.

“Uma série de critérios deve ser levada em conta antes da indicação da prep, como o número de parceiros sexuais, os outros métodos de prevenção utilizados, o compromisso com a adesão ao medicamento, entre outros”, afirmou Adele Benzaken, diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

Para o infectologista Esper Kallás, professor e pesquisador da USP, a quantidade inicial prevista de comprimidos no Brasil não é problema porque a oferta poderá ser redimensionada conforme a demanda. “A incorporação é um grande avanço. Há dez anos, éramos chamados de loucos, antiéticos, havia preconceito. Ver isso sendo transformado em realidade é show.”

O investimento inicial do Ministério da Saúde será de US$ 1,9 milhão na compra de 2,5 milhões de comprimidos, o que deve atender a demanda pelo período de um ano. A distribuição da terapia no SUS começa em 180 dias.

Mario Scheffer, professor do departamento de saúde preventiva da USP, afirma que, pelo fato de a patente do Truvada estar em domínio público, fica aberto o caminho para os genéricos, o que reduziria o custo. Ainda cabe recurso da farmacêutica Gilead, fabricante da droga.

Segundo ele, muitos dos grupos vulneráveis ainda não foram sequer informados sobre a distribuição ou do que se trata a prep. “Vai ter campanha dirigida aos mais vulneráveis informando sobre o novo direito? Faz tempo que o Ministério da Saúde censurou campanhas dirigidas aos homossexuais e profissionais do sexo”, diz Scheffer.

EFEITOS COLATERAIS

Nos últimos anos, a discussão sobre a oferta da prep no SUS gerou questionamentos sobre a possibilidade de a terapia criar resistência ou causar efeitos colaterais em pessoas saudáveis, que, dificilmente, seriam convencidas a fazer uso diário de um remédio.

Para Esper Kallás, a profilaxia provoca poucos efeitos colaterais. “São facilmente administráveis.” Ele diz que outra grande vantagem da prep é trazer essas pessoas para o centro de assistência.

“Não é só dar o remédio e prevenir os efeitos colaterais, é dar aconselhamento sobre o uso da camisinha e o teste de HIV com frequência, reduzir o número de parceiros. É uma ação em saúde pública.”

Para Kallás, a relação de custo e benefício da droga é altíssima porque, ao prevenir uma infecção nessa população vulnerável, várias outras pessoas estarão sendo poupadas do risco de se infectar com o vírus.

A prevenção será ofertada nos serviços do SUS que já trabalham com prevenção do HIV. Segundo o ministério, a prep só será indicada após testagem do paciente para HIV, uma vez que ela é contraindicada para pessoas já infectadas pelo vírus. Nesses casos, ela pode causar resistência ao tratamento.

Atualmente, 827 mil pessoas vivem com HIV/Aids no país. Desse total, 372 mil ainda não estão em tratamento, sendo que 260 mil já sabem que estão infectadas e 112 mil pessoas desconhecem o fato.

Com a nova medida, o Brasil se torna o primeiro país da América Latina a utilizar essa estratégia de prevenção como política de saúde pública.

FOLHAPRESS