Viagens Por Hiroshi Uyeda

Até os anos 50 tudo parecia conspirar contra a vontade de realizar viagens pelas rodovias brasileiras. O sistema de transportes limitava-se aos fluvial e ferroviário. Somente após, com a aceleração do processo industrial o setor rodoviário, totalmente deficiente, passou a ser prioritário.

Mesmo assim a malha rodoviária da década de 60 era precária e insuficiente.A estrada entre Campo Grande e Bela Vista era cascalhada, com intensa poeira no verão e cheias de buracos e lama, no inverno. Degastador esforço físico, 6 ou mais horas estressantes, com elevado risco de acidentes nos quase 350km. Ao se aproximar de Campo Grande a sensação de alívio era total.Era para lavar o corpo e a alma, ou melhor, o carro e a gente, tomados de poeira ou lama.

Para as demais cidades fora desse eixo rodoviário, Bonito, Maracaju, Ponta Porã, Rio Brilhante, Dourados, Amambai, Porto Murtinho, Caracol, as condições das estradas também eram precárias. Estreitas pontes de madeira, árvores caídas, animais silvestres, carroças, carros de bois, boiadas, estradas íngremes com pedras soltasexigiam extremo cuidado e atenção dos motoristas. Inexistiam sinalizações e as poucas teimosamente resistentesàs intempéries pareciam remontar às épocas coloniais.

Mas nem tudo conspirava contrariamente. Podia-se aspirar ar puríssimo pelas janelas sempre escancaradas. Paisagens de matas virgens, corredeiras, cachoeiras e cascatas, araras multicoloridas, pastos naturalmente verdejantes, vargens infindáveis, morros e penhascos desfilavam aos olhos dos viajantes extasiados diante de tanta beleza. Vez ou outra surgiam pequenas casinhas cercadas de flores, a compor humanamente aquele cenário.

Em Bonito, o Buraco das Araras provocava vertigens e mais escabrosas estórias de sua utilização como cemitério. Mais adiante, o Rio Formoso, de águas transparentes, cristalinas, permitindo nítida visualização de peixes de cima da estreita ponte de madeira. Ao descer a Serra da Bodoquena a atenção era voltada ao íngreme caminho, coberto de lascas de minérios reluzentes. Estrada rústica, estreita, coberta por intensa mata por onde réstias de luz ousavam perturbar o sombreado refrescante das tardes de verão. Ao atingir a parte plana, adentrando o pantanal, cascos de caracóis expunham-se para testemunhar suas origens remotas.

Cantos de seriemas, araras e periquitos acompanhavam os voos rasantes de tucanos pelas imensas pradarias de todo o sul mato-grossense até Bela Vista. O viajante de outras plagas conheceria a habitual hospitalidade dos bela-vistenses e dela usufruiria durante sua estada. Visitaria o Rio Apa e sua famosa praia, a do Pompílio, o monumento de Nhandepá a reavivar memória da Tríplice Aliança e a Retirada da Laguna, citadas nos bancos escolares. Deliciar-se-ia com os quitutes tradicionais e degustaria o tereré.

Soava a hora deretornar às estradas. Passagens por outras paragens em datas e horas incertas. Haveria muito ainda a conhecer deste lindo, rico e longínquo rincão pátrio, em companhia das poesias do já saudoso poeta Manoel de Barros.

¨MAS SE VOCÊ QUISER SABER
O QUANTO HÁ DE BELEZA 
EM NOSSO PANTANAL
SE DEIXE LEVAR NA POESIA
DE
ManoeldeBarros
TUDO É TÃO REAL ¨

Em: Meu Mato Grosso do Sul, de Carlos Fábio e Pacito.