Uso excessivo de celular altera o sono, alimentação e causa prejuízo

O prato de comida pode estar colorido à mesa e o estômago “roncando de fome”, mas ao menor sinal de uma mensagem, o garfo permanece em uma mão e, da outra, o dedo passa a tocar freneticamente sobre o teclado. O lençol pode estar cheiroso e o corpo relaxado ao colchão na iminência do cochilo, mas basta uma luz vinda da tela do aparelho que os reflexos fazem os olhos saltar sobre o telefone celular.

Frenesi, vício, mania, costume, o fato é que as novas tecnologias criaram legiões de usuários que não conseguem se desligar dos aparelhos enquanto se alimentam, estudam ou deitam para o necessário descanso. Mas, além da modificação de hábitos e rotina, os aplicativos de telefone celular criaram a necessidade de que cada um observe se a tecnologia escravizou ou apenas refez costumes. Além disso, é preciso verificar se a relação “íntima” com os aplicativos, sobretudo os de mensagens e jogos, não está prejudicando a produtividade no trabalho, a aprendizagem ou a qualidade do sono.

Para Denise de Cássia Moreira Zornoff, coordenadora do Núcleo de Educação a Distância e Tecnologias da Informação em Saúde da Faculdade de Medicina da Unesp-Botucatu, o uso dos aplicativos da telefonia celular está associado a riscos e ameaças inerentes a toda incorporação de novas tecnologias na vida cotidiana.

“Os celulares são bonitos, práticos e úteis, mas, aliado à sua onipresença, estão associados a novos riscos e ameaças. Apesar disso, a chegada dos aparelhos telefônicos móveis inegavelmente nos trouxe muitas vantagens, incluindo as conveniências trazidas por sua portabilidade, mobilidade, menores custos de telefonia, associação com recursos inteligentes, entre outros”, contrapõe.

Antes de falar dos “problemas”, Denise prefere elencar a série de vantagens da máquina portátil. “Na área da saúde, o número de estudos científicos cresce ano a ano salientando seus benefícios na educação ao profissional e aos pacientes, para recordar datas de consultas ou a necessidade de ingestão de algum medicamento, e também como veículo para instalação de diversos aplicativos e sensores que podem ser usados em pesquisas e no diagnóstico e tratamento de diversas doenças”, elenca Denise.

No entanto, também é crescente o número de análises dos riscos diretos e indiretos causados pelo uso de telefones celulares e outros equipamentos eletrônicos com Internet móvel.

“Inicialmente, a principal área de atenção foi sua associação com o surgimento de tumores cerebrais e outras doenças secundárias à exposição à radiação de radiofrequência. Neste sentido, recomenda-se cautela no uso contínuo do equipamento, especialmente entre crianças e adolescentes”, adverte Zornoff.

A pesquisadora ressalta, por outro viés, que outras associações estão sendo estudadas em relação ao uso dos celulares, seja em razão da redução no preço dos aparelhos em compasso com a compra em massa, seja em seu poder de entretenimento e simbologia de status.

“Por conta disso, podemos ter a sensação de que, em alguns casos, o uso destes aparelhos parece estar sendo excessivo, ou inseguro, ou até mesmo abusivo”, pondera.

Quando é perigoso?

Para Denise Zornoff, a identificação de alerta sobre o uso abusivo, ou prejudicial, dos aparelhos e seus aplicativos leva em conta o equilíbrio. “Sim, o bom senso é o referencial para saber quando o uso desses recursos ultrapassou o limite de segurança e se há necessidade de procurar por ajuda psicológica ou psiquiátrica”, opina.

Para crianças, a pesquisadora da Unesp-Botucatu sugere monitoramento pelos pais contra o uso excessivo até a adolescência. Intervenção que, segundo ela, tem de vir acompanhada de esclarecimento dos riscos com a promoção de controle.

Mas, no caso de jovens e adultos, o uso compulsivo pode ser um sinal de problemas de maior gravidade. Neste caso, Denise dá algumas recomendações.

“Preste atenção às situações e emoções que fazem você usar seu telefone com frequência. É o tédio? Solidão? Ansiedade? Talvez outra coisa possa acalmá-lo. Seja forte quando o seu telefone toca ou vibra. Nem sempre você precisa ou pode responder. Na verdade, você pode evitar esta tentação desligando os sinais de alerta quando possível”, orienta.

Outra postura necessária é readaptar rotinas com o uso do aparelho. “Seja disciplinado em não usar o dispositivo em certas situações, como quando você está com crianças, dirigindo, ou em uma reunião. Ou em determinadas horas, por exemplo das 21h às 7h preservar o bom sono”, acrescenta.

Mas, afinal, quando é a hora de procurar por ajuda especializada? “Sempre que o comportamento sem controle resultar em sofrimento ou risco importante ao usuário ou às pessoas ao seu redor”, sintetiza Denise.

Mas existem caminhos sendo seguidos. Em uma empresa com linha de montagem na área de móveis, por exemplo, os funcionários deixam os aparelhos em armários pessoais logo na entrada do expediente. Mas o acesso é permitido em intervalos e durante o horário de almoço.

A norma, porém, exigiu que o empregador também adotasse uma central para recados durante todo o expediente, para o recebimento e repasse imediato de casos que envolvam urgência. “Um profissional foi destacado para receber recados. Os pais que têm filhos ficariam preocupados sem qualquer possibilidade de comunicação durante a jornada.”