Tropas de Camisão ocupam o forte Bela Vista no Paraguai

Na guerra contra o Paraguai, coluna brasileira, que viveria a dramática retirada da Laguna, entra em território inimigo e ocupa o forte de Bella Vista. O relato é do cadete Taunay:

“No dia seguinte, 21 de abril, às 8 da manhã, deram os clarins do quartel general o toque de marcha: nada menos significativa do que transpormos a fronteira, entrar em território paraguaio e atacar o forte de Bela Vista, que, deste lado, é a chave de toda aquela região. Não havia quem não compreendesse o alcance da operação, redobrando por este motivo a animação geral. Cada um envergava o mais luzido uniforme; e como às nossas antigas bandeiras não prestigiasse ainda feito notável algum, foram substituídas por outras, cujas cores vivas se destacavam no céu formoso das campinas paraguaias.

Deixando a Machorra, adotara-se a ordem compacta. Dos dois lados da coluna, e para facilitar o movimento, os atiradores, que a flanqueavam, cortavam a macega; pois mudara a natureza do terreno. Não mais tínhamos a grama curta e fresca dos prados que acabávamos de atravessar. Estava o solo coberto desta perigosa gramínea que atinge a altura de um homem, e a que chamam macega, e cujas hastes duras e arestas cortantes tornam, em muitos lugares do Paraguai, a marcha tão penosa. Transpusemos o Apa em frente a Bela Vista; o 20° de infantaria de Goiás formava a vanguarda, sob o comando do capitão Ferreira de Paiva. Avançando à frente dos batedores, a quem comandava, jovem e valente oficial, de nome Miró, fadado à morte próxima, víamos o velho Lopes, apressurado, montando belo cavalo baio, um daqueles animais que o filho e os companheiros deste haviam tomado aos paraguaios.

Estava no auge da alegria, o olhar como o de um rapineiro, a fitar Bela Vista, que começávamos a avistar. De repente, no momento em que acabávamos de chegar ao seu lado, percebemos que a fisionomia se lhe anuviara: ‘A perdiz, disse-nos, voa do ninho e nada nos que deixar, nem os ovos’. Mostrava ao mesmo tempo tênue fumo que subia aos ares. ‘São as casas de Bela Vista que incendiaram’.

Foi a notícia levada ao Coronel que, avisado também por um sinal do alferes Porfírio, do batalhão da frente, fez acelerar a marcha. Começamos a correr, precipitando-se a linha de atiradores do 20° para o rio; mas à sua frente já se antecipara pequeno grupo de que fazia parte o nosso guia. Com grande espanto nosso não pareciam os inimigos pretender disputar-nos o passo; retiravam-se do Apa como já se haviam afastado da Machorra,indo estacar a uma distância grande, imóveis sobre os cavalos”.

Em 22 de maio seguinte, o comandante da coluna, coronel Camisão liberou o seguinte relatório:

O programa que apresentei às forças, ao partir da Colônia de Miranda, acha-se concluído em toda a sua brilhante plenitude. O inimigo fugiu aos primeiros passos da briosa força brasileira e nos abandonou seus entrincheiramentos, incendiando as suas propriedades e devastando brutalmente o trabalho de longos anos. – O conflito em que devia patentear-se a coragem que é própria do soldado brasileiro, não se deu: bastou a simples demonstração de sua placidez e energia. – Deus, em sua resplandecente justiça permitiu a completa reação da injusta invasão do distrito de Miranda, tocando-nos a glória imensa de executá-la em todo o seu elastério. – Orgulhoso por me achar à testa de tão distinta expedição, louvo em extremo, nesta ocasião, aos empregados do quartel deste comando, srs. engenheiros, médicos, oficial pagador, comandantes dos corpos de caçadores e de cavalo, provisório de artilharia, dos batalhões ns. 17, 20 e 21, todos os srs. oficiais e praças pelo entusiasmo no desejo de encontrar o inimigo e alegria ao marchar ao seu encontro, que se manifestaram em todas as ocasiões, desde a saída de Miranda, não só nos corpos que formavam a vanguarda, os quais desenvolveram muita atividade e vigilância, como nos demais, o que patenteou-se na passagem do rio Apa, o qual apesar de seu péssimo vau foi em poucos minutos transposto, ainda mesmo pela artilharia, cujo trem pesado faria crer em longa demora, dando-se o mesmo com o cartuchame. Ainda merece os meus elogios o bravo e denodado guia dessas forças José Francisco Lopes, o qual, impelido pelos sentimentos de pai e cidadão, pois tem a sua família prisioneira nesta República, nunca se esquivou a trabalhos e perigos, assim como os mais paisanos e fugitivos que ora me acompanham.

Sem resistência, o forte, que apenas consistia em sólida estacada de madeira, foi ocupado pelos brasileiros, assim como a vila.


FONTE: Taunay, A retirada da Laguna, (16ª edição brasileira) Edições Melhoramentos, São Paulo, 1963, páginas 59 e 154.