Pé-quente, pop e guerreira: a 'noite dos sonhos' da Piratinha na Arena

No mais pomposo camarote da não menos imponente Arena do Grêmio, personalidades da cena social, política e esportiva do Rio Grande do Sul desfilavam entre drinks e quitutes que mais pareciam obras de arte. Mas a luz dos figurões se apagou quando Gabrieli Van Oudheusden Medeiros, três anos, entrou no espaço, aninhada no colo da mãe. Imediatamente, pescoços viraram, risos se abriram e olhos não desgrudaram mais do rosto marcante da menina que emocionou gremistas e ganhou o apelido de Piratinha ao imitar a comemoração de Barcos. Nesta quarta-feira, ela fez a sua primeira aparição na Arena do Grêmio e foi a mais célebre torcedora entre as mais de 35 mil pessoas que tomaram o estádio na vitória por 2 a 1 sobre o Santa Fé, no jogo de ida das oitavas de final da Libertadores.

– Ela é magnética – resumiu um torcedor que cruzou o caminho de Gabi.

Um bom adjetivo. Talvez o que melhor resuma a menina. Com menos de um metro, fez sumir figuras como o prefeito José Fortunati, o ex-presidente do Grêmio Paulo Odone e o centroavante Marcelo Moreno, atrações do camarote. Tal qual uma celebridade já experiente, não se incomodou com os insistentes pedidos de fotos de homens e mulheres, que amassavam o pequeno rosto entre beijos e abraços.

Muitos, na ânsia de uma imagem com a pequena gremista, quase perdiam lances como os de Vargas e Fernando, que deram ao Grêmio uma suada vitória sobre o Santa Fé, pelas oitavas de final da Libertadores.Mas bem antes de chegar à Arena, a menina, que luta há nove meses contra uma leucemia, teve de vencer muitas barreiras. Primeiro, transpôs a doença e viu as suas imunidades subirem a ponto dos médicos permitirem a viagem de Santa Maria, onde faz o tratamento, até Porto Alegre. O segundo obstáculo foram os 330 quilômetros entre as duas cidades. No caminho, ela ameaçou fazer birra, típica de crianças nesta idade, mas a paixão falou mais alto.


– Quando ela começava a ficar impaciente, lembrávamos a ela que o Barcos estava esperando. Ela parava na hora e dizia que queria vê-lo. Todos nós estávamos muito ansiosos por esse dia. Foi uma noite dos sonhos – resumiu o pai, Norival de Souza Medeiros, 25 anos.

 

E parece que os desejos da Piratinha viram ordem. Primeiro, pediu e levou a presença do ídolo argentino no Hospital Universitário de Santa Maria. Agora, veio a um jogo e não só viu o centroavante,como entrou em campo no colo do camisa 28.

Depois do aconchego nos braços do ídolo, ela subiu com pompa e circunstância ao camarote presidencial. Venceu o assédio dos fãs e, enfim, sentou-se em uma das confortáveis poltronas. Toda vestida de Grêmio: faixa enfeitando o cabelo, que já começa a crescer com a diminuição das quimioterapias, e até as unhas. Tudo pintado de azul, preto e branco.

Parecia assustada com os rugidos da torcida em cada lance de perigo. Só parecia. Quando Alex Telles cruzou da esquerda e Vargas mandou para o gol de cabeça, não fez cerimônia, gritou e balançou os braços como se fosse um dos membros da barulhenta Geral do Grêmio.


Como forma de incentivo, ela berrava o nome do argentino, acenava, brigava com os adversários que cometiam faltas no Pirata.
Com o empate do Santa Fé, o jogo ficou encardido. E Gabrieli parecia sentir isso. Iniciou um vaivém até a tela de acrílico que protege o camarote, nervosa. Faltava algo. Faltava o gol de Barcos, “o meu amigo”, nas palavras da menina, que criou laços com o jogador depois de sensibilizá-lo e ganhar a uma visita de duas horas.

– Não bate nele – ordenava aos jogadores do Santa Fé, já com bico na boca, revelando o adiantado da hora.

Coincidência ou não, o time se inflou e arrancou a improvável vitória. O gol saiu. Não foi de Barcos. Mas pouco importa. O que fica desta noite é que o Grêmio ganhou o jogo e a Arena ganhou Gabrieli. Uma torcedora para lá de especial, e ainda, pé-quente.