Paula Fernandes: de menina brejeira a mulher forte do sertanejo

A cantora Paula Fernandes dispensa apresentações. Mas não era bem assim em 2010, ano em que ganhou projeção ao participar do tradicional especial natalino do cantor Roberto Carlos, na Rede Globo. Quase uma desconhecida, sua presença no programa logo despertou suspeitas – seria ela a nova namorada do “rei”? – que ela nega com convicção. E serviu para projetar a mineira de Sete Lagoas, que na realidade está na estrada desde a adolescência, para todo o país. Naquela noite de Natal, Paula virou sensação não só pela música, mas também – e talvez principalmente – pelas belas pernas exibidas em rede nacional. O que muita gente não percebeu ali, distraída pela beleza da cantora, foi que aquela menina de aparência brejeira seria uma verdadeira mina de ouro para o mercado fonográfico.

O par de pernas continua longilíneo e acompanhado de uma cinturinha fina (são apenas 58 cm), mas Paula mudou. E muito. Passou de “queridinha do rei” para um dos nomes mais fortes do sertanejo, gênero predominantemente masculino e heterossexual – até onde se sabe. Lançou cinco discos, dois deles de estúdio, e rompeu com a empresa de agenciamento artístico do cantor Leonardo, a Talismã, à qual se ligou em 2008 e prestou serviço até 2012. O caso até hoje mal explicado teria acontecido, segundo fontes próximas à cantora, devido à agenda excessiva de shows e aos cachês nem sempre transparentes. O fim do contrato marcou a fundação da Jeito de Mato, empresa gerenciada por Paula, sua mãe, Dulce Souza, e o irmão, Nilmar Fernandes.

Hoje, a cantora diz viver uma nova fase. Mais leve, livre e autônoma. Tanto que a imagem de menininha ingênua pouco combina com os seus 31 anos. A mudança foi pavimentada com o novo disco,Amanhecer, o oitavo da carreira, lançado em outubro. Durante um encontro para apresentar o álbum à imprensa, em São Paulo, ela desfilou uma colada calça preta, blusa cropped (aquela que flutua acima do umbigo) e o cabelão preso em um rabo de cavalo no alto da cabeça. Aparência mais próxima de uma estrela do rock do que da cantora de pop rural, um sinal de transformação. “Este é o melhor momento da minha vida. Sou empresária da minha marca. Me vejo do bastidor. Tenho uma equipe que me representa, antes eu não tinha”, disse no evento.

Paula virou dona do próprio nariz, da carreira e do figurino – marcado por seus bregas vestidos-bolo. Tem vencido o teste do tempo e a resistência de um mercado dominado por homens. “Existe preconceito, mas estamos vencendo. O reconhecimento passou a acontecer de forma honesta, com trabalho e profissionalismo”, diz a cantora ao site de VEJA.

Os números que a acompanham confirmam. No total, são 4,5 milhões de discos vendidos, nove turnês internacionais e cerca de dez shows por mês, com cachê estimado em 200.000 reais, valor cobrado há dois anos. Seu novo disco saiu com tiragem de 60.000 cópias e ficou entre os dez mais vendidos no iTunes, a loja virtual da Apple. Na internet, ela já soma 345 milhões de visualizações no YouTube e possui a maior página de Facebook entre músicos nacionais, segundo dados da empresa Spark.Inc. Para sua gravadora, a Universal Music, é uma das artistas mais lucrativas. Segundo a empresa, Paula é uma das poucas que ainda vende muito disco físico, e tem também grande aceitação no digital.

O sucesso de vendas fez de Paula Fernandes um destaque no catálogo mundial da gravadora, o que a levou a parcerias com músicos como Taylor Swift e Shania Twain. O encontro mais recente, com o espanhol Alejandro Sanz, rendeu uma apresentação no Grammy Latino 2015 e a presença no próximo DVD do cantor, Sirope ao Vivo, previsto para janeiro.

Não bastasse ser feliz na carreira, a moça também vive a sua melhor fase no amor. Há três anos com o dentista e empresário Henrique do Valle, 35, ela faz planos para um casamento digno de princesa. “Eu gosto de planejar. Vamos fazer no tempo certo.”

Confira abaixo os destaques da entrevista com a cantora sertaneja:

Aparência

“Não me incomoda que falem da minha aparência. Faz parte para quem tem vida pública, especialmente mulher. O homem é mais básico, mesmo quando estiloso. Mulher atrai mais esse tipo de crítica. As pessoas já perceberam meu jeito particular de me vestir. Gosto de usar de tudo. O palco é diferente do dia a dia. Nesta nova fase, planejo trazer mais da Paula do dia a dia, mais leve, mais fresca. Também continuo praticando atividade física, tomando conta da alimentação, da saúde. Estou mais segura com meu corpo. Faço musculação e fechei a boca. Tive que tirar o doce, só assim para entrar nas roupas.”

Machismo

“Abri clareira na foice para as mulheres no sertanejo. Existe o preconceito, sim, ainda estamos vencendo. Vivemos em um momento mais aberto, as coisas começaram a mudar. A mulher está alcançando seu lugar ao sol, mostrando a que veio. Na música, o reconhecimento está acontecendo, de forma honesta, com trabalho e profissionalismo. Minha carreira demorou a decolar por causa do machismo. Em todos os lugares a que eu ia, eu ouvia: ‘Ah, não, mais uma mulher cantando? Música romântica? Não, não vai dar certo’. Depois, lancei o disco e em poucos dias a música mais lenta(Pássaro de Fogo) alcançou 1 milhão de visualizações na internet.”

Depressão

“Estou curada, mas foi doloroso. Sou difícil até para tomar remédio para dor de cabeça e aquele foi um período em que fui medicada. Foi o pior tempo da minha vida, mas também o melhor. Esse renascer foi uma coisa muito minha, de força. Eu não sabia que tinha tanta força. Uma depressão daquela, só para uma fênix, pois o negócio foi feio. Começou quando eu tinha 18 e, aos 22, voltei a trabalhar. O jardim floresceu. Comecei a ver cores de novo. Não seria o que sou hoje se não tivesse passado por aquilo. Aconteceu por diversos motivos, não foi um fato isolado. Mas em algum momento aconteceu algo. Os buracos são nos nossos alicerces, um dia eles cederam… e as portas fechadas (para a carreira musical). Eu já estava trabalhando desde os 10 anos, mas as coisas não aconteciam. E isso gerou muitas frustrações.”

Melancolia

“Eu nunca suprimi, nem rejeitei a tristeza. Ela é ruim, mas faz parte da vida. A gente aprende tanto. A busca pela felicidade começa assim, é a luz e a escuridão. Não tem como ser só feliz. Não acredito nisso. Temos momentos felizes, e aprendemos a dar mais valor a eles quando a gente vive o down.”

Composições

“Compor é um dom, é uma coisa divina. Assim como quem tem dom para desenhar, dançar. Já compus música alegre na escuridão. Me perguntam se eu escrevo letras alegres quando estou alegre, triste quando estou triste. Se fosse assim, o disco passado, Meus Encantos, eu teria escrito muito triste. Mas não é assim, a inspiração vem de diversas fontes. Do convívio com alguma coisa que está mais presente na sua vida. Neste disco novo, falo de fim, que é uma coisa triste, mas estou em uma fase ótima, de construção de vida, não tem nada de fim. É como todo autor, criador, você pode transitar pelo universo criativo.”

Casamento

“Estamos namorando há três anos. É sempre bom ter um companheiro que te apoie. Ele me entende, sabe da correria da minha rotina. Mas a gente se vira e consegue conciliar. É difícil, mas não é impossível. Eu moro em Belo Horizonte, ele em Brasília. Mas são só 50 minutos de voo e eu estou lá. A gente fala sobre casamento, mas não é o momento. Estamos na fase de construção de vida. Ele está correndo atrás das coisas dele, que um dia serão nossas, e vice-versa. Mas vai acontecer. Eu gosto de planejar. Vamos fazer no tempo certo.”

Sobre ser a própria empresária

“É difícil administrar um artista desse tamanho. O escritório começa pequenininho já com um artista grande. É um aprendizado diário. Minha mãe tem uma cabeça boa, mas também é a primeira vez dela. Estamos em busca de conhecimento, para fazer o melhor e ter novos artistas lá dentro. É um ambiente familiar. A gente busca bons profissionais, mas com bom caráter. Eu sou acessada pelas pessoas o tempo todo, em relação a novos talentos. Sempre tem alguém com algo para mostrar. Mas o momento certo vai chegar, porque o artista que eu vou agenciar vai me achar, não sou eu que vou achá-lo. Esse artista existe em algum lugar.”

Dinheiro

“Minha mãe é quem administra tudo e ela é muito controlada. Não entro muito nesse assunto. Prefiro cuidar da minha arte. Cantar, eu canto até de graça. Deixo a burocracia com a dona Dulce.”

Amizade com Zezé Di Camargo

“Ele é importante e nem sabe, desde sempre. Desde que ele lançou os primeiros sucessos, eu era pequena, ouvia e cantava. As primeiras músicas que eu interpretei nos meus shows eram dele. Não imaginava que algum dia na vida eu iria trabalhar com ele, ser parceira dele. Ser amiga era algo que até poderia acontecer, mas o processo de composição é muito mais complexo. Tem que acontecer uma sintonia natural. Ele é uma pessoa fantástica, um espírito muito iluminado. Está sempre presente, me liga, quer saber se estou bem, me dá dicas, me chama de ‘mineirinha’, ‘trem bão’, ‘trem bunito’.”

Novo disco Amanhecer

“Esse disco representa amadurecimento. As pessoas esperam o melhor de mim. Elas já sabem quem eu sou e querem ser surpreendidas. É um repaginar. É importante se renovar. Me sinto mais leve. E, por mais que eu viaje por outros gêneros, a essência vai continuar sempre. A voz é universal. Da bossa ao samba, sinto que posso transitar pelos estilos sem perder a referência que é o sertanejo. Fico feliz de representar a classe sertaneja.”

Próximos passos

“Vou entrar em turnê com shows diferentes dos anteriores. Os figurinos e cenários da última turnê eram mais cênicos. Eu acredito na riqueza do conteúdo. Todos os shows devem ter a mesma qualidade. Vai ter o elemento cênico, mas agora não será parecido com os outros, porque o novo disco não é. Então ele(Amanhecer) vai me guiar. E, sobre a carreira internacional, prefiro deixar o processo acontecer em vez de empurrar goela abaixo. É melhor quando o artista me convida, caso do Alejandro (Sanz). Mas teremos uma surpresa pela frente, sim. Só não decidi ainda em qual língua vai ser.”

Fonte: Veja