Para buscadores online, ‘mulher bonita’ é só aquela que é branca e jovem

Pesquisadores analisaram resultados de imagem quando se busca termos relacionados à beleza feminina. Resultado mostra parcialidade de algoritmos

BUSCA POR ‘MULHER BONITA’ NO GOOGLE: RESULTADOS EM PORTUGUÊS MOSTRAM MULHERES BRANCAS

Há um extenso debate – histórico, acadêmico e público – sobre o fato de a tecnologia ser ou não neutra. Um estudo feito por dois professores de ciência da computação da Universidade Federal de Minas Gerais, Virgilio Almeida e Wagner Meira Jr., e dois estudantes, Camila Souza Araújo e Gabriel Magno, pode dar novos argumentos a quem acha que ela não é.

Os pesquisadores analisaram os resultados na busca de imagens de dois buscadores online, Google e Bing, para os termos “mulher”, “mulher feia” e “mulher bonita” em 42 países e constataram que as imagens obtidas não são representativas da diversidade racial e etária quando se procura por “mulher bonita”. A “mulher bonita” apresentada pelas ferramentas é, em geral e em qualquer contexto, jovem e branca.

Como a pesquisa foi feita

DEFINIÇÃO DOS TERMOS DE PESQUISA

Traduzir cada um deles – mulher bonita, mulher feia e mulher – para as línguas dos países-“alvo”

ACÚMULO DE DADOS

Executar as buscas nas ferramentas por meio dos termos escolhidos e nos países listados. Remover imagens contendo vários rostos ou nenhum

EXTRAÇÃO DOS ATRIBUTOS

As imagens reunidas foram submetidas ao software Face++, capaz de inferir raça / cor (branco, negro ou amarelo) e estimativa de idade da pessoa na foto

RESULTADOS

Ao final, os dados reunidos pela pesquisa somavam 5.824 imagens válidas (ou seja, com apenas um rosto) no Bing – da Arábia Saudita, Alemanha, Estados Unidos, Brasil, Rússia, Turquia, África do Sul e outros 15 países; e 11.314 imagens válidas no Google – para Argélia, Egito, Iraque, Nigéria, Zâmbia, Finlândia, França, Brasil, Coreia do Sul e outros 33 países.

Chamou a atenção dos pesquisadores que a porcentagem de mulheres negras, ao buscar por “mulher bonita”, fosse muito pequena e que aumentasse na busca por “mulher feia”. No Google, a proporção de mulheres negras é 85,71% maior quando a busca é “mulher feia”, em relação à busca por “mulher bonita”.

A idade, segundo eles, também refletia o padrão visto na publicidade e na mídia – mulheres jovens, entre 20 e 30 anos. No Brasil, a distribuição dos resultados para “mulher bonita” estava entre pouco mais de 10 e 30 anos.

Também pareceu curioso para os cientistas que países tão distintos na composição racial de sua população quanto Reino Unido e Nigéria, por exemplo, obtivessem resultados muitos semelhantes nas buscas, com muitas imagens repetidas. Os cientistas descobriram que esse agrupamento de resultados ocorre de acordo com a língua: todos os países de língua inglesa, por exemplo, terão resultados coincidentes em uma busca geral.

No entanto, ao refinar apenas a busca para imagens geradas por servidores locais, os estereótipos caem: o número de imagens de mulheres negras para a busca ‘mulher bonita’ aumenta nos países em que a população é majoritariamente negra. “A globalização da web acaba impondo esses padrões”, analisa o pesquisador Virgilio Almeida em entrevista ao Nexo.

Na Nigéria, por exemplo, a porcentagem de mulheres negras na busca global por “mulher bonita” era de cerca de 5%, e cresceu para cerca de 25% dos resultados na busca local. A representação de mulheres brancas nos resultados é, ainda assim, maior.

Como os buscadores moldam a relação das pessoas com a informação
“A internet tem borrado os limites entre culturas globais e locais, afetando as diferentes maneiras de percepção que as pessoas têm de si mesmas e dos outros”, reflete o paper. Nesse contexto, ferramentas de pesquisa como Google e Bing constituem um mediador importante no acesso ao conhecimento e têm impacto, por exemplo, na formação de um estereótipo em torno da atratividade física de uma mulher.

Segundo o estudo, os buscadores têm, além disso, um papel em dar visibilidade a aspectos sociais, culturais e econômicos da vida cotidiana – outras pesquisas já mostraram como as mulheres estão menos representadas na busca por imagens de diversas profissões.

Um estudo recente prova que a forma como os resultados de pesquisa são organizados em ranking exerce forte impacto sobre atitudes, preferências e comportamentos dos indivíduos. Em geral, confia-se no que aparece no topo do ranking ou nas primeiras páginas de uma busca, mesmo sem ter nenhuma ideia de como funcionam os algoritmos que regem a ordem de aparecimento dos resultados.

Não há transparência nos algoritmos
“Cada dia mais os indivíduos vão ter uma relação maior com os algoritmos – em entrevistas de emprego, no sistema judicial, na hora de conceder ou não um empréstimo no banco” diz o pesquisador Virgilio Almeida em entrevista ao Nexo. “Apesar de eles serem eficientes, em certas situações eles podem ser detrimentais para segmentos mais vulneráveis”.

Almeida compara o funcionamento dos algoritmos que organizam os resultados nos buscadores a uma caixa preta: não é possível ter acesso ao seu funcionamento interno, que é complexo e de propriedade das empresas que possuem as ferramentas de busca. Por isso o experimento analisa os resultados de busca, uma maneira de observar os algoritmos de fora: “fazemos perguntas que nos permitem inferir certas coisas”, diz.

As perguntas lançadas pela pesquisa foram “como essas questões [estereótipos, discriminação, padrão de beleza] são refletidas nas respostas das ferramentas de busca” e “como isso varia localmente, de acordo com as diferentes culturas”.

“Existem estereótipos do mundo material que acabam sendo reproduzidos no mundo virtual”, resume Almeida. Isso tem a ver com as palavras-chave adicionadas para as imagens e também com as buscas feitas pelos próprios usuários. Mas, para o pesquisador, os buscadores podem ser propositivos em minimizar esses efeitos – revisando seus algoritmos e diminuindo a incompatibilidade entre os resultados e os tipos físicos reais de mulheres.

“Em algumas situações, ferramentas de busca podem mostrar resultados parciais. Portanto é importante entender como o ranking de resultados é feito e como afeta o acesso à informação. Um estudo mostra como identidades raciais e de gênero podem ser mal representadas, quando há interesse comercial envolvido. (…) Esse comportamento mascara e perpetua o acesso desigual à vida social, política e econômica de alguns grupos”.
No estudo “Estereótipos em resultados de máquinas de busca: entendendo o papel de fatores locais e globais”

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