O custo do pão e do circo

Acendeu-se a “luz amarela” no quartel-general dos estrategistas do
Planalto: às vésperas da copa do mundo, em pleno ano eleitoral, o governo
prepara-se para a reedição das manifestações que sacudiram o País em meados
de 2013 e que derreteram, em semanas, a popularidade da presidente Dilma.
Salvo se o Brasil for campeão – o que, convenhamos, não é tarefa simples,
mesmo jogando em casa -, é grande a probabilidade de crescimento de
candidaturas rivais que irão explorar a fragilidade da opção do governo em
gastar o dinheiro do Estado na promoção de um evento supérfluo, caro, e que
carrega o traço populista da milenar política romana: distribuir o pão para
aplacar a fome e promover o circo para entorpecer a crítica.

Sob qualquer ótica, é difícil defender o governo federal neste assunto.
Trata-se, realmente, de uma sangria de recursos públicos, embora se
contra-argumente que existe um “legado” da copa – principalmente na questão
da mobilidade urbana. Entretanto, como o investimento em transportes
poderia ser feito a despeito da existência do mundial, o argumento logo cai
por terra. Fica, apenas, o contraste (inconveniente) entre a suntuosidade
dos estádios, de um lado, e a miríade de necessidades não-atendidas da
sociedade, de outro. A copa consolidou no imaginário coletivo a ideia de
que há má gestão das prioridades nacionais pelo governo.

Trazendo a questão para a realidade do MS, pode-se fazer o seguinte
exercício: o que daria para fazer em matéria de políticas públicas e
investimentos no Estado, por exemplo, caso fosse destinado para cá o R$
1,403 bilhão gasto na construção de apenas um estádio, o caríssimo Mané
Garrincha de Brasília?

Talvez este dinheiro tivesse melhor aplicação caso servisse para
proporcionar alguma alternativa aos 50,3 mil jovens sul-mato-grossenses
entre 10 e 17 anos que, segundo os dados do IBGE, precisam sujeitar-se ao
trabalho infanto-juvenil para o sustento de suas famílias. Destes, nada
menos do que 12,4 mil – isto é, um em cada quatro jovens – não frequentam a
escola. Exceções à parte, estão condenados a uma vida adulta cheia de
dificuldades: inserção subordinada no mercado de trabalho e baixos
salários. É irônico, mas é tanta gente que daria para encher um estádio…

E se, ao invés das arenas, nos fosse dada a opção de construir escolas?
Seria possível, apenas com o dinheiro do Mané Garrincha, edificar 117
escolas do programa Brasil Profissionalizado, do próprio Governo Federal,
proporcionando a cerca de 140 mil alunos uma formação profissional
integrada ao ensino médio. É muito mais do que o necessário para o MS, mas
se fizéssemos 1/5 disto nas cidades-polo do Estado, já seria uma verdadeira
revolução educacional no interior. O Governo estadual, através da
Secretaria de Educação, vem lutando para a atração de recursos e as escolas
profissionalizantes são realidade, por exemplo, em Chapadão do Sul,
Dourados e Naviraí, mas muitas outras cidades, estagnadas e sem
perspectiva, também precisam deste investimento.

Outra opção: utilizar o pródigo dinheiro do estádio para universalizar a
rede de água, de coleta e tratamento de esgotos no MS. No Brasil, as 100
maiores cidades jogam 3.500 piscinas olímpicas de esgoto por dia na
natureza. No MS, apesar do esforço de investimento de R$ 1 bilhão no
período 2007 a 2014, a rede de esgoto chegará a apenas 50% das residências.
É um enorme avanço tendo em vista que em 2006 a abrangência era de apenas
14%, mas ainda assim este é um problema sem solução à vista.



E o conflito indígena, então? Com menos da metade do dinheiro gasto no
estádio de Brasília seria possível comprar – pagando o preço de mercado, e
não o de mentira – todas as terras para as etnias que pleiteiam expansão de
suas áreas. Estaria resolvido o conflito fundiário e a classe produtora
poderia destinar novamente a sua energia para trabalhar, produzir
alimentos, gerar emprego e renda, e não mais ser obrigada a defender-se de
invasões, tanto nos tribunais quanto no campo.

Por último, outra lacuna grave de política pública no MS que poderia ser
sanada com uma fração do valor gasto no referido estádio: a criação de um
centro de padrão internacional para tratamento, reabilitação, promoção da
qualidade de vida e integração das pessoas com deficiência na sociedade.
Paraplégicos, tetraplégicos, pessoas com traumatismo crânioencefálico,
vítimas de acidentes vascular encefálico, pessoas com deficiência
intelectual, etc., de diversas idades, precisam com frequência dirigir-se
aos grandes centros do país em busca de tratamento. Por que isso não é
prioridade?

A astúcia romana descobriu que, em tempos de crise, acalmava-se o povo com
a construção de grandiosas arenas, nas quais gladiadores, em espetáculo de
sangue, em meio a animais ferozes, bigas, palhaços, artistas de teatro,
afastavam o tédio da plebe. A classe política brasileira, apostando
igualmente na rudeza do povo, no discurso retumbante e populista de um
“Brasil campeão”, será responsável pela copa do mundo mais cara de toda a
história dos jogos da FIFA. Mas, ao invés de embotar o tédio, despertou a
ira das ruas.

Pedro Pedrossian Neto, 32, economista e empresário, é mestre e professor de
Economia Política pela PUC-SP.