Nem a Polícia e a Justiça livram mulher da violência do ex-marido

De mãos atadas. Refém da violência. Impotente diante da Justiça. Da primeira denúncia, aos registros de boletim de ocorrência que já perdeu a conta, até a terceira medida protetiva. Ela já tentou de tudo e se vê à mercê de ter paz somente se morrer.

A violência que não escolhe raça, cor e classe, chegou à personagem na forma de príncipe encantado. Bonita, branca, de olhos claros e nível superior, ela viu o autor chegar como cavalheiro. Se conheceram através de amigos em um bar. “Ele era aquele cara da música. Igualzinho. De abrir a porta do carro”…

Hoje na memória estão os flashes. Brigas, xingamentos, agressões. “Se escuto um barulho de carro passando já sinto medo”. À noite ou em plena luz do dia, as lembranças voltam sem que ela permita. Sem que ela queira. “Quem já invadiu uma vez é capaz de entrar de novo”, diz.

Ela tem 34 anos de idade e oito de sobrevivência a todas as agressões físicas e psicológicas que já sofreu. Em janeiro deste ano, teve a casa invadida pelo ex-convivente, que levou à força os filhos de 3 e 5 anos. Em março, na porta da escola dos filhos, ele apareceu de novo.

“Começou a me agredir na frente dos pais, na frente da escola. Foi só verbal, mas ele me xingava. Eu entrei dentro do carro, ele batia no vidro e depois simplesmente deu ré e bateu no meu carro. Meu maior medo não era nem comigo e meus filhos, mas e se tivesse passando outras crianças ali?”

 

Em oito anos foram apenas 4h de paz. A única vez em que ele esteve preso. (Foto: Marcos Ermínio)Em oito anos foram apenas 4h de paz. A única vez em que ele esteve preso. (Foto: Marcos Ermínio)

A partir dali a terceira medida protetiva foi expedida. Ferramentas da Justiça que tentam seguir a progressão das agressões. Mas a garantia de segurança fica restrita a um papel. “Ele ronda a minha casa, vai onde eu estou. Eu ligo para a Polícia, mas se ele não for pego em flagrante, não adianta. Ele bateu no meu carro em frente da escola e saiu correndo. Ele vai fugir sempre”.

No relato dela, as ligações para a Polícia passam a ser desencorajadoras. “Eles me perguntam ele está aí?” E diante da negativa, o ‘meliante’ não é nem se quer procurado.

O reflexo da violência sem freio é sentido nas crianças. O filho mais velho começou a repetir as cenas que viveu dentro e fora de casa. “Ele batia nos colegas, principalmente nas meninas. É o que ele vê o pai fazendo”.

A mãe morre de medo de pedir a guarda dos filhos e ver a situação chegar a um extremo. Mas vê a cada vez que os pequenos voltam para casa, a agressão superando os limites. “Ele está proibido até de mandar mensagens, mas usa as crianças para manter contato comigo. Ele mesmo diz que usa para estar perto de mim”.

Na Justiça o caso já corre desde o ano passado, quando a agressão foi em público, em pleno bar, em um final de semana. Somente dessa vez que ele foi preso. “Foi 2h da manhã. Às 6 horas ele já estava solto. Saiu da delegacia e já começou a mandar mensagem”. Em oito anos foram apenas 4h de paz.

Na tentativa de se proteger, os olhos estão atentos a qualquer movimento, barulho de carro ou de moto e para quem se aproxima. “Levo uma cópia da medida protetiva na bolsa, no carro, tem uma casa e no trabalho. Se acontecer alguma coisa, a Polícia já sabe”.

Aos 34 anos, três filhos e uma mãe sob os cuidados, ela convive a cada segundo do dia com a expectativa do que mais pode acontecer e a dúvida: se a Polícia, no caso de algo acontecer, ainda vai poder fazer alguma coisa. 

“A gente tem muito medo e não é pouco. Ele mesmo diz que não tem mais nada a perder nessa vida”. Mas ela tem. E teme por isso.

A delegada titular da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher), Rosely Molina, explica que a Polícia tem elementos para pedir a prisão preventiva do autor com base nos antecedentes e principalmente se houver descumprimento da medida protetiva, o que acarreta, além da violência doméstica, desobediência a ordem judicial.

A medida protetiva expedida pela Justiça acompanha a vítima até o final do processo, quando já encaminhado ao Judiciário.

Em 2012, quatro vítimas de violência doméstica pagaram com a vida. Sentiram nos últimos minutos os extremos das agressões quase que diárias. Números que sempre trazem consigo antecedentes de violência.

“Aqui todas elas chegam com esse sentimento de impotência e vamos mostrando os caminhos a percorrer. A vítima precisa ver os sinais de início da agressão. O que precisa saber é que todo agressor dá sinais que precisam ser detectados”.