EXPEDIENTE BANCÁRIO – INSPEÇÃO Por – Hiroshi Uyeda

Um dos caixas da antiga Agência do BB em Bela Vista-MS, localizada na Rua Gal. Osório, nos anos 60, o inesquecível Moacyr Baioni, de gratíssima memória, era uma figura destacável entre todos os seus colegas. Alto, esbelto, brincalhão, de bom humor, talentoso, atencioso, granjeava fácil e rápida estima de todos. Atleta nato era sempre convocado para compor o time de futebol da Associação dos bancários e das seleções de basquete e vôlei da cidade. Era o termômetro do humor da Agência, mantendo-o sempre elevado. Tinha uma característica: não era de economizar palavras. 

Naquele tempo a visita de um inspetor do Banco era motivo de muito temor, semelhante à de um fiscal da Receita Federal em uma empresa. Inspecionava as agências com o objetivo de orientar e aperfeiçoar processos e procedimentos, escoimando possíveis erros, ou melhor, lapsos, pois ninguém tinha o desplante de cometê-los propositalmente. 

O seu trabalho consistia em entrevistar os funcionários, verificar a contabilidade, os números, as operações efetuadas, anotando manualmente os dados para, após analisá-los, elaborar impecáveis relatórios, com várias cópias a carbono, em máquinas datilográficas Remington. Iniciava-os com um histórico da região, sua pujança econômica e a importância do Banco para o desenvolvimento local e regional. Tudo era remetido para a Direção do Banco, no Rio de Janeiro. Eram notáveis o conhecimento e a experiência adquiridos pelos inspetores no exercício de suas funções ao longo de suas carreiras profissionais, perceptíveis nos bem elaborados relatórios. 

Às 8:00h já estava a postos, no interior da agência, em mesa estrategicamente localizada, de onde poderia acompanhar todos os movimentos. A Agência compunha-se de apenas um amplo salão, dividido em áreas específicas para a Gerência e a Carteira Agrícola, localizadas em cada lateral. Na parte frontal e central, o espaço para os clientes, com alguns bancos de madeira, dois balcões de atendimento, um a cada lado das duas gaiolas dos caixas, protegidas por tela de arame. O restante da área, na parte interna, era ocupado pelos funcionários, suas mesas, equipamentos e arquivos.

Abertas as portas, iniciava-se o expediente, sem atropelos e em absoluta ordem. Todos se cumprimentavam e o ambiente transformava-se em local de encontro. Era possível vê-los todos lá, o Deco, o Urbieta, o Victor Lino, o Ulisses Pinto de Almeida, o Oscar Salomão, o Waldely e os demais, comerciantes e fazendeiros, a um só tempo. Os funcionários não se furtavam de também participarem das animadas conversas, principalmente os mais próximos dos balcões, Garibaldi, Nazareth, Amaro, Morais e Genil. Abstiveram-se das habituais gargalhadas, comuns e mais intensas quando delas participavam o Chiru Brum e o Waldemar Garcia, em respeito à presença do inspetor. Ninguém dirigia palavras àquela importante autoridade, impecavelmente trajado de paletó e gravata, mesmo sob o incremente sol a 30º. Praticamente o único interlocutor era o Gerente, estritamente por motivos profissionais. 

No segundo dia de inspeção, antes do início do expediente, Moacyr foi ao cofre apanhar o seu baú, pequena caixa metálica, com alça, contendo moedas e o saldo do expediente do dia anterior, montante insignificante em dinheiro. Supriu-se, como de costume, de uma quantidade maior de papel moeda, acondicionada em pacotes, no total de Cr$ 10.000,00, o suficiente para suprir as necessidades iniciais do expediente. Antes de chegar ao seu guichê, colocou todo o dinheiro em cima de uma mesa e dirigiu-se à copa para tomar café junto com os demais colegas. 

Retornando ao interior da Agência, encontrou o inspetor, para sua surpresa, ao lado da mesa onde deixara os pertences, olhando para o monte de dinheiro e movimentando a cabeça negativamente. Ao tentar apanhá-lo foi interceptado pela autoridade. Com ar professoral, a voz ligeiramente elevada para despertar a atenção de todos os funcionários, disse-lhe:

– Sr. Moacyr, é bom o Sr. recontar esse dinheiro, pois poderá estar faltando. Afinal, não é este o procedimento previsto nas instruções do Banco. Jamais poderia ter deixado este dinheiro a mercê de pessoas de todas as índoles. O Sr. precisa ter mais cuidado e não confiar em ninguém. É questão de segurança. Imagine se tem gente estranha aqui.

Moacyr ficou pasmo. Era visível a sua irritação. O sangue subiu-lhe às ventas quando respondeu:

– a única pessoa estranha aqui é o Sr.

Há dúvidas até hoje se o fato foi parar no relatório do inspetor. Cara corajoso o Moacyr.