Empresa que rejeita indígena se desculpa, mas advogado reforça crime em anúncio

A cidade de Amambai é indígena já no nome, que significa “orvalho” em tradução livre do idioma tupi-guarani. Entre os 79 municípios de Mato Grosso do Sul, é um dos que possui a maior população de povos originários. São cerca de 15 mil pessoas atualmente, segundo estimativa da prefeitura, a maioria delas vivendo em três aldeias – Limão Verde, Jaguary e a Amambai.

Mas proposta de emprego no município, que circula nos aplicativos de mensagens e redes sociais desde 10 de junho, chama atenção não por ser ótima oportunidade, mas sim por rejeitar a candidatura de trabalhadores indígenas. A vaga é para a ocupação de serviços gerais e inclui trabalho nas alturas.

A anunciante é a empresa Nohall Engenharia e Comunicação Visual. Responsável pelo local e pela contratação, o engenheiro civil Leandro Torres Cabanas assina nota de esclarecimento em que admite ter cometido “ato falho e impensado” ao excluir indígenas.

O texto foi enviado nesta segunda-feira (12) para a imprensa. “Lamentamos o fato ocorrido e assumimos publicamente o compromisso de reavaliar nossas práticas e procedimentos e evitar o surgimento ou a reincidência de atitudes discriminatórias”, diz um trecho. Em outro, a Nohall se retrata: “Essa empresa não compactua com racismo e pede suas sinceras desculpas a todo povo indígena pelo equívoco cometido”.

Entre os serviços prestados pela empresa está a elaboração de projetos de engenharia civil e produção publicitária. Questionada pela reportagem, ela não informou se a vaga já foi preenchida.

É crime – Para o advogado criminalista e indígena da etnia terena, Wilson Matos da Silva, o “ato falho e impensado” se chama discriminação e racismo, conforme a Lei nº 7.716/1989. Se denunciado e condenado pelo crime, o representante da empresa poderá ter pena de reclusão de um a três anos e ser obrigado a pagar multa.

“Entendo que mesmo incondicionalmente, o autor inadvertidamente incorreu no crime de discriminação e racismo”, afirma. Wilson também é coordenador do Observatório dos Direitos Indígenas da região Centro-Oeste, entidade que monitora a violação de direitos desses povos em todas as áreas.

Com seu olhar indígena, Wilson vê indícios do folclore do “índio é preguiçoso” e do desconhecimento geral da realidade desses povos, que “mesmo após 523 anos de ‘convívio’ com a sociedade dita civilizada, ainda não é conhecida”.

O advogado reafirma que o indígena pode desenvolver qualquer tipo de trabalho, mas que, no entanto, acaba ficando com as funções mais rudimentares e salários mais baixos quando tenta acessar o mercado de trabalho dos centros urbanos. “E até essas funções eles têm dificuldade de conquistar, como mostra o anúncio em Amambai”, acrescenta.

Ele deduz que a contratação em Amambai busque profissional para instalar anúncios em outdoor, pela natureza da empresa e a descrição da vaga. “O que o indígena tem total condição de fazer”, reforça.

Wilson afirma que o Observatório dos Direitos Indígenas irá se manifestar ao MPF (Ministério Público Federal) para pedir a investigação do caso.

Por fim, alerta para o impacto emocional que a discriminação e dificuldade de acesso a emprego e renda podem provocar em indígenas, especialmente os mais jovens, levando-os até a cometer suicídio. O alto índice de indígenas amambaienses que tiraram a própria vida foi classificado como alarmante pelo Mapa da Violência em 2014, inclusive.

Casa do Trabalhador – Vagas disponibilizadas na Casa do Trabalhador de Amambai que têm maior adesão entre indígenas são a de cortador de cana em usina sucroalcooleira em Naviraí (MS) e a de operador de colheita de maça em Zacarias (RS), observa a gestora do local, Solange Mariano dos Santos.

A Casa do Trabalhador em Amambai (Foto: Divulgação/Funtrab)
Ela frisa que nenhuma vaga divulgada na casa faz distinção de gênero, raça ou etnia, ao mesmo tempo que avalia haver dificuldade na contratação de indígenas por empregadores devido à falta de escolarização e qualificação. “É o que muitos exigem. Muitos indígenas não têm o Ensino Médio completo, isso acaba atrapalhando”, afirma.

Secretário de Desenvolvimento Social de Amambai, Roberto Racchtiunne diz que o Município investe na qualificação de toda a população, inclusive da fatia indígena. Ele cita programas municipais gratuitos realizados em parceria com o Sistema S, o IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul) e o Sindicato Rural. “Temos participação massiva de indígenas”, pontua.

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