Deputado de MS quer suspender direito a nome social para travestis e transexuais








O deputado federal Elizeu Dionízio (PSDB-MS) apresentou na última quinta-feira (19), em co-autoria com o deputado João Campos (PRB-GO), a PDC (Projeto de Decreto Legislativo) 396/16, que quer anular os efeitos do decreto 8727, assinado pela presidente afastada Dilma Rousseff, em 28 de abril deste ano. O decreto garante a travestis e transexuais que trabalham no serviço público federal a utilização de nome social em crachás e documentos oficiais.

Além de Dionízio e Campos, a proposta é assinada por mais 27 outros deputados, dentre eles, Marco Feliciano (PSC-SP). Todos são integrantes da bancada evangélica na Câmara Federal. A matéria ainda aguarda que o atual presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), distribua-o para as devidas comissões, como a CCRJ (Comissão de Constituição e Justiça), que analisa a constitucionalidade da matéria. Vale lembrar que João Campos é autor da matéria que queria instituir a ‘Cura Gay’, derrotado na Câmara em 2013. Campos também propõe, por meio de emenda constitucional, que instituições religiosas possam contestar decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).

Por telefone, Dionízio afirmou ao Jornal Midiamax que a motivação da PDC é puramente legalista. “Quando a pessoa faz a inscrição para um concurso, ela apresenta uma documentação, que é sua certidão de nascimento, seu nome de batismo, seu RG, CPF… Se ela tem uma orientação sexual (sic), eu respeito, contato que essa orientação respeite as leis vigentes. Se ela está incomodada com o nome, ela que vá ao cartório e peça para fazer a mudança e a alteração. E a Justiça autorizando, pronto”, declarou o deputado.

Dionízio cita até o caso da apresentadora Xuxa Meneghel, que adicionou o apelido ‘Xuxa’ a ‘Maria das Graças’. “As pessoas que tiveram incômodo ou a necessidade de troca de nome recorreram à Justiça. O problema é que essa discussão de gênero sempre tem que ter um benefício. Por que que serve para os outros e nunca serve para ele? Isso que tem que acabar. E as pessoas que têm nome constrangedor? Eles não tem direito porque não tem uma orientação sexual?”, declarou.

Lembrado de que a mudança de nomes constrangedores corre rápido na Justiça, mas que para pessoas trans normalmente o juiz exige que a pessoa faça a cirurgia de redesignação genital e tratamento de hormonoterapia há pelo menos dois anos, o deputado afirmou que o problema está na morosidade da Justiça. “Então que se combata isso, mas constranger a legislação não dá”, finalizou.

O outro lado

 

A ativista travesti Cris Stefanny rebate argumentos de Dionízio / ReproduçãoA ativista travesti Cris Stefanny rebate argumentos de Dionízio / Reprodução

A reportagem também repercutiu a questão com a subcoordenadora de Políticas LGBT da Prefeitura de Campo Grande, Cris Stefanny, que também é membro da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Ela questiona o viés legalista apresentado pelo deputado, que estaria agindo para defender uma agenda conservadora, referente ao segmento social que representa.

 

“Se o deputado se diz legalista, ou é leigo ou um falso legalista, que falta com a verdade para impor seus conceitos fundamentalistas. Digo isto baseada no fato de que a palavra ‘nome social’ é apenas para dizer que socialmente somos reconhecida pelo nome que adotamos, ou seja, um pseudônimo, já garantido no Código Civil”, aponta.

De fato, o nome social nada mais é que um recurso para o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, que garante a travestis e transexuais o direito de serem reconhecidas pela sua identidade de gênero, sem que se submetam a situações de constrangimentos e vexames. É o que determina, por exemplo, o artigo 5º da Constituição, em seu inciso X:  “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

“Isso é, sim, uma violação de direito e que incide em invadir a vida privada, a imagem destas pessoas, uma violação do direito à privacidade, a não-exposição pública e de não serem submetidas ao ‘linchamento publico’, ao vexame, ao escárnio e ao constrangimento”, aponta a ativista.

Código Civil prevê nome social

Cris confronta os argumentos de Dionízio com a própria legislação. Segundo ela, no caso do decreto da presidente afastada, a matéria visa respeitar a legislação que trata do direito da personalidade, no qual tanto o prenome como o sobrenome não podem expor a pessoa ao desprezo público ou ao ridículo, como aponta o artigo 17 do Código Civil.

Cris também descreve que tal legislação impede o emprego do nome tido como constrangedor por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória, como é o caso de documentos de identificação, crachás e outras identificações contempladas pelo decreto.

“O nome social nada mais é que o pseudônimo, que é utilizado para ocultar a identidade civil do titular e é usado por artistas em geral, escritores, entre outros, que também tem proteção legal. Nesse sentido, o artigo 19 do Código Civil também prescreve que o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome”, conclui.

* O deputado usou erroneamente o termo ‘orientação sexual’. Neste caso, o correto seria ‘identidade de gênero’.



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