Com projetos experimentais, escola transforma realidade de aldeia em MS

A execução de projetos experimentais na escola municipal indígena Ñandejara Pólo, na aldeia Teyí Kuê, no município de Caarapó, a 273 quilômetros de Campo Grande, transformou a realidade da comunidade. Há dez anos, quando as iniciativas tiveram início, o índice de evasão escolar era de 39%. Hoje não passa de 2%, disse ao G1 o diretor Lídio Cavanha. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), referentes a 2011, o índice de abandono escolar médio “não-seriado” é de 10,6% no país.

“Antes os meninos estudavam geralmente até o quinto ano e deixavam a escola para trabalhar, principalmente, nas usinas de cana de açúcar”, explica ele, que é nascido na aldeia, onde moram cerca de 5 mil guarani-kaiowá em uma área demarcada e homologada de 3,5 mil hectares.

Um dos projetos cultiva mais de 100 espécies de plantas. Os 1,5 mil alunos que frequentam a escola, com idades entre cinco e 16 anos, vão ao viveiro e aprendem sobre as plantas em duas vertentes. “Como trabalhamos com educação indígena são dois conhecimentos: o nosso, como guarani-kaiowá, que é a utilidade em termos de medicina, e a parte científica”, explica Cavanha.

Com projetos experimentais, escola transforma realidade de aldeia em MS (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)Funcionário explica a alunos potencial medicinal de
plantas em viveiro. (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)

Um funcionário da escola ensina os benefícios aos estudantes no viveiro, planta por planta. “Ele é considerado por nós um doutor e passa os conhecimentos aos alunos”, diz.

As mudas produzidas no viveiro também foram responsáveis por mudar o cenário da aldeia nos últimos anos. Elas são utilizadas para recuperar matas ciliares de 18 nascentes de rios na região. “Aqui só tinha capim. Já foram mais de um milhão de mudas para as nascentes na região”, relata Cavanha.

No local, são cultivadas espécies como cedro, jequitibá, aroeira, ipês roxos, amarelos e brancos, jatobá e angico. Segundo o diretor, o mais procurado pela comunidade é o cedro por ser utilizado como remédio e artigo para um ritual das etnias. “As novas gerações pensam que só tem remédio na farmácia e nossos antepassados retiravam das matas”.

Com projetos experimentais, escola transforma realidade de aldeia em MS (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)Estudantes participam de cultivo de verduras, que
vão para a merenda. (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)

Produção de alimentos
No segundo projeto, a horta produz verduras no primeiro semestre e legumes no segundo. Tudo que é cultivado vai para a merenda dos estudantes, de manhã e à tarde, bem como o almoço dos professores. Além dos estudantes, mais de 35 famílias da aldeia estão envolvidas com o projeto.

“O objetivo da escola é trabalhar com os alunos o valor da nossa identidade, a autoestima dos guarani-kaiowá. Eles aprendem e levam o conhecimento para o ambiente familiar”, afirma Cavanha.

Outra iniciativa, ainda em estudo, é de um tanque para a criação de peixes, cujo objetivo também é subsidiar a merenda escolar. Conforme o diretor, o local escolhido para a elaboração do projeto fica em uma área que estava totalmente degradada.

Com projetos experimentais, escola transforma realidade de aldeia em MS (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)Escola na Teyí Kuê tem metodologia diferenciada
de ensino. (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)

Alfabetização
Os projetos experimentais fazem parte de iniciativas que deram certo na escola, mas em 1.997 teve início uma das principais conquistas da unidade. Naquele ano, a escola passou a ter metodologia diferenciada para indígenas como a contratação de professores índios e o modelo de alfabetização. Segundo a diretora Renata Castelão, os alunos do primeiro e segundo ano das séries iniciais aprendem apenas o guarani.

“No terceiro, quarto e quinto ano os estudantes aprendem português e guarani. Do sexto ao nono ano, além das duas línguas, entra o inglês”, diz.

Conforme a diretora, a implantação da filosofia de ensino é fruto de um fórum realizado pela aldeia há 16 anos. Anualmente, os índios se reúnem no evento, que aponta as principais demandas da comunidade e as converte em ações. “Não é só o ensino a quatro paredes. Trazemos as necessidades da comunidade para a escola”, afirma a diretora.

Área histórica
Segundo o professor de História Guarani da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Neimar Machado, a aldeia Teyí Kuê apresenta organização estrutural diferenciada de outras aldeias em Mato Grosso do Sul por ser uma área em que a presença dos indígenas vem do início do século 20 por causa do corte de erva-mate.

Ele lembra que um dos principais líderes guarani na história do estado, Marçal de Souza, morou na aldeia. Conforme o Machado, isso mostra forte organização já na década de 80, quando o líder foi assassinado.

Com projetos experimentais, escola transforma realidade de aldeia em MS (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)Professor destaca iniciativas e faz relação com a
história da aldeia. (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)

De acordo com o historiador, a política do estado brasileiro até a constituinte de 1988 não dava prioridade à educação para os índios. A estrutura atual da escola em Caarapó, segundo ele, é a prova da resistência dos indígenas mesmo diante da “falha política” ao longo dos anos.

“É natural que a escola indígena na aldeia não separe o saber científico do saber teórico e o saber da tradição, que é ligado à natureza”, explica ao G1 para destacar as iniciativas dos projetos experimentais.

“Na visão indígena a aldeia pertence à mata. Por isso que um projeto pedagógico diferenciado certamente vai levar em conta a importância da recuperação ambiental porque um local onde a natureza não está exuberante, para os índios, não é um bom lugar para viver”, finaliza.

Problemas ainda presentes
Durante a reportagem na aldeia, o G1 ouviu o professor Wilder Robles, da Universidade de Manitoba, que fica em Winnipeg, no Canadá. Ele e um grupo de estudantes faziam um intercâmbio de pesquisa na aldeia, em parceria com uma universidade de Campo Grande.

“Não é só o ensino a quatro paredes. Trazemos as necessidades da comunidade para a escola”
Renata Castelão, diretora.

Segundo ele, que realiza o trabalho há dois anos, a escola tem transformado a comunidade, mas as iniciativas ainda são insuficientes para conter problemas como a pobreza, a violência e o consumo de álcool e drogas. “A saúde é precária; falta acesso à água potável”, relata.

Para o professor, a aldeia deve executar programas de enfrentamento a esses problemas e receber incentivos do poder público. “Existem muitas coisas boas, mas as iniciativas são limitadas. É preciso ter continuidade nas ações”.

A diretora da escola, Renata Castelão, admite que as questões ainda desafiam a comunidade, no entanto, os problemas são menores comparados a um passado recente. “Estamos mostrando a importância da educação para os indígenas. Estudar, se aperfeiçoar e voltar para a aldeia. Trabalhamos em parceria, escola e comunidade, e temos conseguido superar muitas coisas”, afirma.

Com projetos experimentais, escola transforma realidade de aldeia em MS (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)Irmãos caminham pela estrada na saída da escola indígena Ñandejara Pólo. (Foto: Fabiano Arruda/G1 MS)