Clubes com queda de rendimento no segundo turno usaram maior número de atletas mais velhos

Embora a idade não seja única determinante para o desempenho, levantamento do Espião Estatístico mostra que os times que tiveram mais sucesso usaram mais jogadores de até 27 anos

As equipes que ficaram nas dez primeiras colocações da classificação do returno mantiveram em campo por 58% mais tempo atletas na faixa entre 22 e 27 anos; por outro lado, os times que ficaram nas dez últimas colocações do segundo turno mantiveram em campo por 42% mais tempo atletas com mais de 27 anos. No futebol não há um único fator que determine o sucesso de uma equipe. Nível técnico, experiência, entrosamento entre os atletas, gestão de grupo estão entre fatores que influenciam diretamente o desempenho dos times, mas em um esporte onde a intensidade é claramente um fator de desequilíbrio, a idade dos atletas demanda atenção.
— Para uma equipe ter muitos atletas com idade avançada, o físico tem de estar muito bem monitorado. Essa pesquisa é interessante para os clubes. É um alerta para que avaliem fisicamente muito bem o elenco. Não devemos nos apegar unicamente à idade porque os testes físicos mostram que muitas vezes o atleta mais experiente está em melhores condições do que os jovens. Mas é verdade também que com o avanço da idade, o atleta vai perdendo massa muscular. É por isso que os clubes fazem trabalho físico individual — disse o ex-técnico e comentarista do Grupo Globo Muricy Ramalho.

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A arte abaixo representa a comparação entre as equipes da Série A em relação ao uso de atletas de cada faixa etária. As faixas etárias foram divididas em: menos de 18 anos, 19 a 21 anos, 22 a 24 anos, 25 a 27 anos, 28 a 30 anos e com 31 anos ou mais. A altura de cada barra mostra quais foram as faixas etárias mais usadas por cada equipe considerando quem estava em campo em cada minuto do Brasileirão. A partir do total de minutos de cada atleta, determinou-se qual o percentual de uso de cada faixa etária. A barra vermelha destaca qual foi a faixa etária mais presente em campo em cada equipe.

— A montagem de um time de futebol é o grande momento do clube e, por isso, na hora de planejar essa montagem é preciso estudar muito. Não tem mais espaço para amadores. Respeito muito esses dados. Hoje tem muitos dados à disposição, e eu estudava muito. Só consegui ser tricampeão brasileiro com o São Paulo, que muita gente dizia que era impossível, porque meu time era muito forte, técnica e fisicamente. Tinha de ter muita saúde para ser contratado. Precisava ter rendimento físico e muita força. Hoje se corre 13 quilômetros em um jogo com intensidade. Se olhar com carinho, tive de renovar o time para ser tricampeão porque com as conquistas tem sim uma acomodação natural. Acredito que esse tenha sido o problema com o Cruzeiro — disse Muricy.

Coincidentemente ou não, a equipe do Cruzeiro foi disparada a que proporcionalmente manteve por mais tempo em campo atletas com mais de 30 anos. Quando o campeonato parou para a disputa da Copa América, na nona rodada, o Cruzeiro já era o 17º colocado. E 65% do tempo de jogo a equipe era forma por atletas com mais de 30 anos. Nenhuma outra equipe era tão experiente. Quem chegava mais perto era o Ceará, em que metade dos minutos da equipe foram jogados por atletas com mais de 30 anos. A equipe era a 13ª colocada quando a Copa América começou. Apenas 16% dos atletas em campo tinham menos de 28 anos no Ceará nesse momento. Vale ressaltar aqui que o Espião Estatístico usou a data de 10 de dezembro como referência para as idades. Ao longo do ano, os atletas (de todos os times) foram aniversariando. Nas últimas dez rodadas, quando lutou com todas as forças com sucesso para se manter na Série A, apenas 10% do tempo de jogo o Ceará usou atletas com menos de 28 anos.

— É só entender um pouquinho de futebol que você via o problema físico do Cruzeiro. É a idade ou o planejamento? O Cruzeiro era bicampeão da Copa do Brasil. Todo time que tem esse tipo de sucesso passa por uma sequência que é perigosa: há um agradecimento da direção e da torcida e se cria um vínculo. A seleção da Alemanha passou pela mesma coisa: após conquistar a Copa de 2014, fracassou na primeira fase na Copa seguinte. Depois do segundo título, a direção tinha de agradecer, homenagear e trocar. Digo isso porque com a aplicação de novos sistemas diferentes só vai aumentar a intensidade, e a exigência física será cada vez maior — disse Muricy.

No lado de cima da tabela, a situação foi bem diferente. O Flamengo contou majoritariamente atletas com idade entre 25 e 27 anos, faixa etária considerada como o ápice atlético. Do tempo de jogo, o Flamengo teve em 57% do tempo atletas entre 22 e 27 anos e 31% do tempo contou com atletas com mais de 27 anos. A equipe jovem, bem preparada e bem treinada dominou amplamente a competição. Teve dificuldade nos dois jogos contra o vice-campeão Santos (vitória por 1 a 0 em casa e derrota por 4 a 0 quando visitante), uma equipe que usou em 61% do tempo atletas entre 22 e 27 anos e em 32% do tempo, jogadores com mais de 27 anos, uma configuração etária muito parecida com a do campeão. Outra equipe muito próxima disso foi o Athletico-PR, campeão da Copa do Brasil e quinto colocado no Brasileirão.

Como se pode interpretar a partir da imagem, o Palmeiras, terceiro colocado no Brasileirão que conviveu com crises e demissões de treinadores, contou em 41% do tempo com atletas entre 25 e 27 anos, vivendo o que pode ser considerado o ponto máximo do vigor físico, mas diferentemente dos rivais, contou em 54% do tempo com atletas com mais de 27 anos contra 38% do Athletico, 36% do Flamengo e 32% do Santos.

Já feita a ressalva de que a idade não é isoladamente um fator decisivo para o sucesso ou fracasso de uma equipe, um traço une várias equipes que passaram por crises, mudanças de treinador e dificuldades para conseguir objetivos maiores, como Corinthians, Internacional e São Paulo, que chegaram à Libertadores, mas passaram por várias pressões ao longo do ano. As artes abaixo mostram que em comum essas equipes contaram com muitos jogadores acima dos 27 anos.

Essa interpretação sobre a relação entre idades e desempenho em campo surgiu após visita ao site “Algolritmo”, do cientista da computação Rafael Blay, de 22 anos, que desde 2016 usa dados para fazer análises ligadas ao futebol e atualmente faz mestrado em análise de dados em Los Angeles, nos Estados Unidos.

— Procuro testar diferentes conceitos de matemática, estatística e análise de dados no futebol. Nos últimos anos, aprendi muita coisa na minha faculdade e também em estágios na área de Data Analytics e resolvi tentar direcionar todo esse aprendizado ao futebol. Cheguei a algumas conclusões: o fato de os clubes buscarem jogadores mais experientes mostra o posicionamento do Brasil no mercado de transferências; me parece que poucos clubes fazem uma gestão eficiente do elenco, levando em consideração potencial e idade de atletas; e os clubes parecem ser muito conservadores e têm receio de lançar times mais jovens — disse Rafael Blay.

Segundo o economista Bruno Imaizumi, que vem desenvolvendo uma parceria aplicando modelos estatísticos avançados sobre dados do Espião Estatístico, o fator idade tem papel fundamental para entender um pouco mais o futebol.

— Estudos recentes sugerem que atletas de futebol atingem seu pico máximo de performance entre os 25 e 29 anos. Apesar de os estudos que tentam determinar a melhor equipe inicial para jogos de futebol não terem chegado a uma convergência, é certo que uma equipe não deve ter muitos jogadores veteranos. Nos gráficos de idade e utilização do elenco no Brasileirão deste ano vemos que os times que utilizaram em seus minutos 40% ou mais com jogadores acima de 31 anos enfrentaram dificuldades no campeonato.

Ao longo da competição, foi variando o aproveitamento de atletas e, em alguns casos, mudou a faixa etária que permanecia mais tempo em campo. Reunimos na arte abaixo essa evolução em todos os 20 clubes da Série A. Os gráficos mais à esquerda mostram o aproveitamento de atletas da primeira rodada até a parada para a Copa América. A segunda coluna mostra como atletas foram usados da retomada do Brasileirão até o final do primeiro turno. Para espelhar, fizemos na terceira coluna um recorte da primeira à nona rodada do segundo turno e na quarta coluna, até o final do Brasileirão. Em celulares pode ser difícil visualizar os gráficos, então considere que tentamos oferecer a análise mais completa, mas a experiência pode ser melhor em um computador. Veja se seu time rejuvenesceu ou envelheceu ao longo das 38 rodadas do Brasileirão. Os dados mostram, por exemplo, que o Atlético-MG começou com 43% de atletas com mais de 30 anos, mas logo após a Copa América, o uso dos mais experientes cai para 29% e na reta final do Brasileirão fica em 20%. No segundo turno, o Atlético-MG usa principalmente atletas entre 22 e 24 anos. Compare com os demais de tire suas próprias conclusões.

*A equipe do Espião Estatístico é formada por: Guilherme Maniaudet, Guilherme Marçal, Leandro Silva, Roberto Maleson, Roberto Teixeira, Valmir Storti e Vitória Azevedo

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