Chapa Dilma-Temer recebeu propina da Petrobras, diz relator em voto

O ministro Herman Benjamin, relator da ação que pode cassar a chapa Dilma Rousseff/Michel Temer, reconheceu o abuso do poder econômico da campanha de 2014 por recebimento de propina originária de contrato de navios-sonda entre a empresa Sete Brasil e a Petrobras.

Na tentativa de desmontar o principal argumento das defesas de Dilma Rousseff e Michel Temer, o ministro afirmou que a petição inicial tem referências à Petrobras e à Odebrecht.

Segundo o relator, recursos de outras empresas da Odebrecht e Petrobras, como a Braskem, foram utilizados na campanha. Ele cita depoimentos de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empresa, que usava uma “conta-corrente” para o partido.

“Não era a holding [Odebrecht]. Ela [Odebrecht] gerenciava os recursos da conta-corrente com o governo federal”, afirmou Herman Benjamin.

Nas alegações finais, a defesa de Temer chegou a declarar que em nenhum momento no processo havia referência da Petrobras na ação proposta pelo PSDB e a coligação liderada pelo candidato derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves.

As defesas de Dilma e Temer foram unânimes em solicitar a retirada dos depoimentos de Marcelo Odebrecht e do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura da ação. Para eles, os fatos levantados “extrapolavam” o objeto da ação.

Em certo momento do julgamento, Benjamin falou, em tom irônico, que “vai ser uma decisão memorável” se “nós extirparmos dois depoimentos feitos por determinação de boa parte dos que estão aqui”.

CRONOGRAMA

O relator voltou a ler o seu relatório no reinício da sessão, às 18h30 (de Brasília). O ministro-relator Herman Benjamin concluiu seu volto por volta das 20h10 (de Brasília) desta quinta-feira (8). Com isso, o voto dos outros seis ministros ficaria para esta sexta-feira (9).

Pela ordem, votam: Herman Benjamin (relator), Napoleão Nunes Maia Filho (membro do STJ), Admar Gonzaga (representante da advocacia), Tarcísio Vieira (representante da advocacia), Luiz Fux (STF), Rosa Weber (STF) e Gilmar Mendes (presidente do TSE e ministro do STF).

Decisão dos ministros do TSE fixou em 20 minutos o tempo para que cada um deles possa declarar o voto nesta sexta, no julgamento da ação que pode cassar a chapa Dilma Rousseff/Michel Temer. A informação foi confirmada pela assessoria do tribunal.

‘ESTUDO’

Benjamin afirmou que empresas tinham uma espécie de conta corrente para pagamentos de propina a partidos e marqueteiros.

Ele destacou: “Ressalto aqui que estou descrevendo a situação de um partido [PT], mas não imagino que fosse diferente com qualquer outro grande partido brasileiro. É difícil acreditar que esse fundo rotativo fosse apenas do partido do governo na época”.

O presidente do TSE, Gilmar Mendes, interrompeu a fala e disse que o voto de Benjamin é um grande estudo para a elaboração de uma reforma eleitoral.

Benjamin rebateu: “Eu não fiz estudo, fiz um voto. Eu sei que há nas nossas decisões sempre um valor educativo, mas para mim, em um estado de direito, o mais educativo é a aplicação da lei.”

À TARDE

Durante toda a parte da sessão que ocorreu nesta tarde, Benjamin leu o início do seu voto.Logo no começo, Benjamin afirmou que iria se concentrar na discussão de entrada de recursos ilícitos na campanha e gastos feitos de forma ilícita.

Assim, ele afastou 21 imputações por abuso de poder nos meios de comunicação, abuso de poder político e abuso de poder econômico. Entre as denúncias está o transporte de eleitores por meio de ONG em comício da chapa em Petrolina (PE) e gastos de campanha acima do limite inicialmente informado à Justiça Eleitoral.

Ao falar sobre a arrecadação de recursos, Benjamin disse que representantes sustentam que a campanha de Dilma e Temer em 2014 “foi financiada em parte por recursos da Petrobras” e que partidos da coligação tiveram vantagem desproporcional em relação a adversários.

O ministro disse que a petição inicial tem referência também a caixa dois, e não apenas a caixa um. “A coligação de 2014 foi financiada com recurso de propina vinculada a contratos ou práticas envolvendo empresas e órgãos públicos e setor privado ou recursos não compatibilizados. Estou lendo a petição inicial. Veja bem.”

O ministro-relator discorreu sobre a estrutura de financiamento de campanhas eleitorais. Ele afirmou que há dinheiro de partidos e de campanhas e dá um exemplo: o segundo maior financiador de candidaturas foi o PT, com R$ 31 milhões. “Não é um expediente acessório. É valor substancial”, afirmou. De acordo com ele, a identificação do doador originário é medida “meramente contábil” do partido ao prestar contas.

Ele falou ainda sobre os demonstrativos de despesa de 2014 do PMDB e afirmou que mais de 60% de toda a arrecadação partidária foi direcionado às campanhas eleitorais. “Isso para dizer que, se há ilicitudes na alimentação dos partidos, não há como separar essa ilicitude da alimentação das campanhas”, diz Benjamin.
“O que se tornou o sistema político eleitoral brasileiro?”, indagou.

Benjamin também afirmou que as campanhas de Dilma Rousseff e Michel Temer foram as que mais receberam recursos de empreiteiras da Petrobras, entre elas UTC, OAS, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa.

O relator relembrou o caso da refinaria de Pasadena, nos EUA, e cita valores distribuídos pelo ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. “Faço essa leitura para mostrar o meu compromisso com aquilo que é o polo central da petição inicial: a Petrobras”, afirma.

OBRIGADOS

Em um raro momento de concordância entre Herman Benjamin e o presidente do TSE, Gilmar Mendes, o relator do processo disse que há casos de políticos que não querem receber caixa dois -querem doações pelas vias oficiais-, mas são “obrigados” a aceitar doação ilícita, devido a um sistema eleitoral perverso.

Benjamin ainda diferenciou caixa dois (doação não declarada) de propina (quando a doação é feita em troca de um favor do político) -distinção muito cara a Gilmar, conforme entrevistas já concedidas pelo ministro.

Mas os afagos duraram pouco. “Para fim eleitoral, é desnecessária a distinção entre caixa dois com propina de caixa dois sem propina”, continuou Benjamin. “Nessa mistura de dinheiro [na campanha], o [dinheiro] legal não purifica o ilegal.”

Esses pontos são importantes para a argumentação do relator porque ele é favorável a considerar a corrupção deletada pela Petrobras no julgamento do caso.

Ainda em seu voto, Benjamin afirmou que “caixa 1” é só usado para lavar recurso de propina. Ele exibiu tabela de recursos repassados pela empresa Toyo Setal.

O relator apresentou dados sobre pagamento de propina para defender que a estruturação do esquema de corrupção na Petrobras era de longa data.

DEMORA

O relator do processo, Herman Benjamin, quis esclarecer, “para registro histórico”, que a demora para a realização do julgamento não foi responsabilidade sua. As ações em análise foram ajuizadas pelo PSDB no final de 2014 e início de 2015 -estão, portanto, há mais de dois anos esperando um desfecho.

Benjamin tomou a palavra porque ao menos dois ministros disseram, pela manhã, que o processo já havia demorado demais. “Eu fico até constrangido de dizer onde este processo não andou”, disse o relator. “Em três meses, ouvi mais de 50 testemunhas”, completou.

O presidente do TSE, Gilmar Mendes, fez uma retrospectiva dos vários pedidos de vista que já paralisaram o andamento do processo antes mesmo de Benjamin assumir a relatoria, no ano passado. O próprio Gilmar pediu vistas em 2015, levando cerca de cinco meses para devolver o caso para análise em plenário.

Posteriormente, conforme lembrou Gilmar, houve pedidos de vista de outros ministros, como Luiz Fux e Luciana Lóssio -que deixou a corte em maio.

FONE DE OUVIDO

Após mais de duas horas e meia de fala do relator, uma cena inusitada. O ministro Admar Gonzaga colocou um fone no ouvido direito. Tirou pouco depois, quando percebeu que havia chamado atenção.

O ministro Luiz Fux, de forma sutil, tentou perguntar a Herman quanto tempo mais ele levará para ler o voto.
Na plateia, algumas pessoas cochilaram ao longo da leitura.

Herman chegou a brincar com um advogado da defesa de Temer, dizendo que iria ler um trecho para ele “acordar”.

 

FOLHAPRESS