Antes de dar celular para crianças, veja o que dizem pais e especialistas

Cada vez mais conectadas aos smartphones, crianças entre 6 e 12 anos costumam pedir eletrônicos aos pais como presente no Dia das Crianças. Segundo a Nielsen Ibope, 15% dos 68 milhões de usuários da internet pelo celular no Brasil têm entre 10 e 17 anos.

Outra pesquisa divulgada em julho deste ano pelo Comitê Gestor da Internet indica que o celular superou os computadores e é o aparelho mais usado por crianças para acessar internet. Os dados foram coletados a partir de 2,1 mil entrevistas com jovens entre 9 e 17 anos, feitas em 2014 (clique aqui para ler o estudo).

Mas antes de dar um celular ao seu filho, veja o que pais e especialistas dizem.

Dentro ou fora da bolha
A administradora Fabiane Campedeli, de 38 anos, é mãe de Sofia, 7, e Luiza, 4. As duas usam smartphone.

“Eu já tinha em casa um aparelho e a Sofia queria ir na casa das amigas. Então comprei um chip para ela poder ligar para mim. A Luiza ficou com ciúmes, claro. Eu tinha um outro celular aqui na gaveta e também comprei um chip pra ela. Mas ela usa pouquíssimo. Ela não sabe escrever ainda então manda emojis e fotos para os avós.”

Fabiane conta que está sempre de olho nas filhas. “Se elas ficam muito tempo, eu falo para guardar o celular, e as chamo para brincar”, diz.

“Prefiro que elas brinquem de boneca com outras crianças, mas não posso colocá-las numa bolha. Eu e o pai delas ficamos no celular. Não tem como falar ‘eu posso e você não pode’. Os amiguinhos usam. Uma amiguinha mudou de cidade e ela vive mandando WhatsApp, assim como eu mandava muita carta para a minha prima. Mas não acho correto ficar o dia inteiro. Quero que elas sejam crianças”, afirma Fabiane.

Fabiane Campedeli com as filhas Sofia e Luiza (Foto: Arquivo pessoal)Fabiane Campedeli com as filhas Sofia e Luiza (Foto: Arquivo pessoal)

A publicitária Aneliza Amaral, de 40 anos, diz que o celular não tem utilidade na vida da filha de oito anos, porque ela fica só em casa e na escola. “Cada pai tem direito de decidir o que prefere dar para seu filho, é uma escolha. O que penso quando decido em não dar é que não quero que a vida da minha filha seja dominada por esses aparelhos. Se ela tiver um só seu, ela vai querer usá-lo o tempo todo”, opina.

“Quero que, em seu tempo livre, ela aprenda o gosto pela leitura de um gibi, descubra um mangá, saiba brincar com suas bonecas, que ela use a sua imaginação para criar as brincadeiras. O uso do iPad lá em casa é controlado. De vez em quando ela e o irmão pedem, pois gostam como todas as outras crianças. Acho que assim temos um equilibrio entre as atividades”, conta Aneliza.

Um celular que tem o modo “controle dos pais” e custa por volta de R$ 270 sai mais em conta do que um conjunto das bonecas Monster High, por R$ 330

Mando emojis ou compro uma boneca?
Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, afirma que, apesar de prever queda de 2,8% nas vendas do Dia das Crianças neste ano, o comércio de celulares, no segmento de informática e comunicação é positivo.

“Segundo pesquisa do IBGE, o preço dos aparelhos ficou 5,3% mais barato nos últimos meses. Isso explica porque os celulares estão em liquidação e têm tido uma performance boa”, diz. Bentes conclui que os pais vão gastar mais com a alimentação e brinquedos para os filhos do que se comprassem um celular de presente.

“O único item que teve queda no preço foi o sapato infantil, que caiu 0,9%. Lanches, doces, roupas, cinema, bicicleta, brinquedos e livros aumentaram”. Por exemplo, um celular que tem o modo “controle dos pais” e custa por volta de R$ 270 sai mais em conta do que comprar um conjunto das bonecas Monster High, por R$ 330.

Cuidados com novo brinquedinho
Uma pesquisa feita pela doutora Patricia Peck Pinheiro, advogada especialista em direito digital e fundadora do Instituto iStart, em 450 escolas da região Sul e Sudeste, registra em média 20 ocorrências de utilização inadequada dos smartphones entre os alunos desde o início do ano letivo de 2015.

A culpa não é da tecnologia, mas sim da falta de orientação”
Patricia Peck, advogada

A advogada diz que muitos pais dão um celular ao filho sem se preocuparem em ensinar o jeito mais seguro de usar a tecnologia. “Com certeza a culpa não é da tecnologia, mas sim da falta de orientação. Se ao dar uma bicicleta ou um skate os pais explicam sobre como ter cuidado para não se machucar por que o mesmo não acontece com o celular, onde uma medida de proteção simples seria orientar que não se deve caminhar digitando?”.

O psicólogo Bruno Mader, do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, conta que já tratou alguns casos que envolviam o uso de tecnologia sem permissão dos pais.

“Uma mãe encontrou o filho de manhã na cama todo vomitado, inconsciente, e trouxe ao hospital achando que tinha sido convulsão. Depois o garoto contou que tinha combinado de tomar um porre no seu quarto junto com um amigo que conheceu online. A família nem sabia disso.”

Mader diz que o problema está quando se torna conveniente para os pais. “É confortável porque a criança não dá trabalho, fica num canto quietinha”, diz. A dica é estabelecer qual o horário de usar o celular, não deixar usá-lo na mesa, na hora de dormir, deixando o celular na sala antes de ir para o quarto. Mas proibir o uso do aparelho não ajuda.

“A melhor forma de controlar é os pais se interessarem pela tecnologia. Precisa criar uma relação de confiança com a criança porque ela vai saber burlar e descobrir a senha.”

Fonte: G1