A manipulação da verdade – Reinaldo Azambuja

Recentemente, a sociedade brasileira teve a oportunidade de ver como as
pesquisas de opinião podem distorcer a verdade e criar polêmicas
improdutivas em torno de fenômenos sociais. O IPEA divulgou com grande
estardalhaço um estudo sobre a percepção dos brasileiros em relação à
violência contra as mulheres, afirmando que 65% da população concordavam
que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.



O tema ganhou grande espaço na mídia, provocando debates e discussões nas
redes sociais. Daí criou-se consenso de que o brasileiro era “atrasado e
machista”. Na semana seguinte, para constrangimento do IPEA e surpresa
geral, veio a público a confissão de erro pelo Instituto: o índice correto
não era 65% e sim 26% dos que afirmaram concordar com o “ataque” às
mulheres.



É certo que um erro como esse não causa danos pessoais; apenas ilustra como
podemos ser manipulados por índices “científicos”, principalmente quando
divulgados por órgãos que desfrutam do que se chama de “credibilidade”
acima de qualquer suspeita.



Há uma regrinha de ouro na política em relação aos números de pesquisa. Se
elas mostram um candidato à frente, ele tem que se apresentar humilde e
agradecer o reconhecimento da população. Se estiver atrás, não pode
reclamar para não parecer “desespero de derrotado”. Trata-se de uma
camisa-de-força que muitos não tem coragem de enfrentar. A saída é exigir
cada vez mais regras rígidas para cobrar responsabilidade jurídico-criminal
dos institutos desonestos.



A questão que coloco, tomando o fato do IPEA como exemplo, é como reagir
quando as pesquisas tentam influenciar erroneamente a escolha de cidadãos
num processo eleitoral? Nesta altura do campeonato está mais do que
evidente que, com maior frequência, há erros grosseiros sendo praticados,
deliberadamente ou não, sem que isso tenha consequências mais graves. Isso
é preciso mudar.



Nas eleições passadas, a fúria manipuladora das empresas de pesquisa
extrapolou de tal maneira que a Câmara dos Deputados aventou a
possibilidade de se criar uma CPI para investigar a fundo os procedimentos
internos dos institutos. O assunto morreu em poucos meses. Agora, parece
que tudo indica que as manobras espertas vão continuar na próxima eleição.



Até hoje muitos eleitores de Campo Grande quando me encontram confessam que
decidiram seu voto de olho nas pesquisas. Na véspera do primeiro turno da
eleição municipal, a mídia divulgou amplamente, com base em institutos
credenciados, que meu índice de preferência era de 14%, longe do segundo
colocado, que pontuava mais de 27%. Na apuração final, tivemos mais de 25%
dos votos enquanto o segundo colocado teve 27%. Por uma diferença de 10 mil
votos não fomos para o segundo turno. Na época ficou claro para milhares de
eleitores que eles foram induzidos ao erro por acreditar que não tínhamos
chance.



Essa é a questão: o erro – proposital ou não – das pesquisas interfere na
vontade de parcela do eleitorado, principalmente num quadro de disputa
acirrada. Não se trata de defender limites ao acesso às informações, mas
pregar que haja mudanças nos critérios da justiça eleitoral para coibir
abusos de empresas que “vendem” números maquiados.



Sabemos que as pesquisas são registradas na Justiça Eleitoral, com prazo
determinado para consulta dos interessados antes da divulgação pela mídia.
Mas, salvo falhas grosseiras de procedimento, é muito difícil identificar
manipulações nas aplicações dos questionários. Não há pessoal técnico e
especializado para isso nos TRES.



Os institutos dizem sempre que pesquisa é fotografia de momento e que toda
campanha tem dinamismo próprio e os números mudam ao sabor dos
acontecimentos. Esse argumento seria aceitável quando se constata índices
pequenos. No caso da eleição de Campo Grande a margem de erro anunciada era
de 4 pontos percentuais, mas verificou-se depois, no resultado final, uma
diferença de mais de 100 pontos percentuais.



Por isso, não há como deixar de questionar: qual credibilidade pode ter uma
pesquisa que apresenta 10, 15 ou 20% de diferença entre sua divulgação 24
horas antes do pleito e o resultado das urnas? No caso do erro do IPEA,
como foi dito, ninguém saiu prejudicado, a não ser a credibilidade do
Instituto. Num processo eleitoral não é o que acontece. A democracia é
ferida de morte, sem chance de se voltar atrás.